A presidente Cristina Kirchner começa hoje (quarta-feira) a nova fase de seu governo com uma reconfiguração de ministros que tomam posse no fim desta tarde. Cristina designou uma série de novos colaboradores com os quais pretende aprofundar o "modelo kirchnerista" na economia, colocando à pique as especulações que indicavam que a presidente poderia optar por uma fase final de seu mandato com "pragmatismo". Na contra-mão das expectativas que sustentavam que Cristina voltaria mais "moderada" de sua licença médica de 45 dias, a presidente deu sinais de que o dogmatismo prevalecerá no período restante de seu governo. Daqui a poucos dias, no 10 de dezembro, Cristina inicia a segunda metade de seu segundo mandato presidencial, sem possibilidades constitucionais de tentar um terceiro governo consecutivo.
SUPER-AXEL E O FIM DE "EL PORONGA": Cristina designou o neokeynesiano Axel Kicillof para o posto de ministro da Economia, famoso por sua defesa enfática do intervencionismo estatal, sinal de que a ala radical do governo Kirchner conseguiu mais força nesta nova fase, após a cirurgia no crânio de Cristina.
No entanto, a presidente removeu o mais polêmico integrante de seu governo, o secretário de comércio interior, Guillermo Moreno, autor da manipulação dos índices de inflação e pobreza, das barreiras protecionistas, além de ser um dos principais protagonistas do confronto do governo contra o Grupo Clarín.
Os apelidos de Guillermo Moreno eram os mais variados e sugestivos. Era chamado de "Lassie" - tal como a simpática e doce cadela collie imortalizada no cinema - pelo ex-presidente Néstor Kirchner, em alusão irônica a seu comportamento agressivo. Ele também é o "Napia" ("Nariz", em gíria portenha) para seus colegas de gabinete por seu perfil aquilino.
Moreno também tinha o apelido de "Poronga", gíria para o membro viril, já que nas reuniões com empresários nacionais e estrangeiros, utilizava amplamente metáforas sexuais e fazia alarde das dimensões de sua genitália.
Kicillof e Moreno pertencem à ala mais radical do governo Kirchner. No entanto, eram duros rivais que disputavam a atenção da presidente Cristina.
Moreno havia perdido poder ao longo deste ano, já que havia fracassado em sua política de congelamento de preços. Mas ele recebe um prêmio de consolação: será o adido econômico na Itália, de forma a ficar longe dos processos que acumula na Justiça em Buenos Aires.
Cristina também removeu a presidente do Banco Central Mercedes Marcó del Pont, sob cuja administração de 1.384 dias a entidade monetária, perdeu US$ 15,7 bilhões, uma média de US$ 11,3 milhões por dia. Para esse posto Cristina indicou Juan Carlos Fábrega, que até esta reforma foi presidente do Banco de La Nación, o maior banco estatal argentino.
Cristina Kirchner e Guillermo Moreno: o então secretário era o homem que manipulava os índices de inflação, entre outras tarefas.
CHEFE DO GABINETE E PRESIDENCIÁVEL: O novo chefe do gabinete de ministros é Jorge Capitanich, que já foi cotado ao longo dos últimos anos como um virtual presidenciável. Articulador hábil, conta com peso político próprio, uma novidade no gabinete Kirchner, acostumado a ser integrado por pessoas sem base prévia de poder.
Capitanich é o governador de umas das províncias mais pobres da Argentina, o Chaco, cenário no ano passado de um apagão no estádio da capital, Resistência, no início do jogo da seleções do Brasil e da Argentina.
Católico conservador, opôs-se ao projeto de casamento entre pessoas do mesmo sexo do governo Kirchner em 2009. No entanto, exceto nesse ponto, mostrou total fidelidade à presidente Cristina em todos os outros assuntos.
AUDIÇÃO - Os analistas destacavam ontem (terça-feira) que Cristina deixou claro que não ouviu o recado das urnas nas recentes eleições parlamentares do dia 27 de outubro, quando estava de licença médica. Na ocasião o governo obteve apenas 32% dos votos, um de seus piores desempenhos eleitorais em dez anos, enquanto que a oposição, embora fragmentada, teve 68%. Os analistas afirmam que Cristina volta à ativa com a intenção de retomar a iniciativa política.
Matias Carugati, economista-chefe da consultoria Management & Fit, afirmou que Cristina aplicou nesta reforma ministerial a mesma estratégia realizada após a derrota parlamentar de 2009: "rotação de ministros e medidas de alto impacto para diluir a derrota, mas que no fundo não modificam os rumos e objetivos".
Perante as mudanças no comando do ministério da Economia e no Banco Central, as incertezas que já existiam nas semanas prévias, aumentaram nesta terça-feira e tomaram conta da city financeira portenha ontem. A Bolsa de Valores teve uma queda de 5,4%, enquanto que a cotação do dólar no mercado paralelo - o principal termômetro para verificar o ânimo dos argentinos - voltou a subir, chegando a 10,02 pesos, embora depois tenha encerrado a jornada em 9,92 pesos.
MAIS RICA: Um dia depois da reforma ministerial o Departamento Anti-Corrupção divulgou os números da declaração oficial de bens de Cristina Kirchner, que indicam que a presidente teve um aumento de 20% de seu patrimônio em 2012. Cristina possui 48,2 milhões de pesos (US$ 7 milhões), dos quais, mais da metade, estão concentrados em investimentos imobiliários.
A declaração de bens indica que Cristina faria jus à fama de compradora compulsiva, já que teve em 2012 um total de 667 mil pesos em "gastos pessoais" (ou, US$ 166 mil na cotação daquele ano).
Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).