Há três semanas, quando começamos a apuração do caderno especial que será publicado em dezembro, eu e a foca Flávia passamos dois dias ligando para diversos órgãos da Prefeitura e associações que poderiam trazer dados para a nossa matéria. Como resposta, apenas "aguarde que quando o sr. XX puder falar com vocês, entraremos em contato". Aflitas com a demora, decidimos romper a burocracia dos e-mails e confirmações de assessores de imprensa e fomos bater à porta de cada uma das fontes das quais precisávamos.
O salto, perfeitamente suportável nos corredores da redação, precisou ser trocado pelo sapato mais confortável da primeira loja do caminho. Depois de alguns quilômetros de caminhada, certa espera em salas de cafezinho e uma boa dose de insistência, tínhamos todas as entrevistas necessárias naquele primeiro momento. Entre uma reunião e outra, conversamos com fontes que jamais teríamos acesso através de pedidos formais via e-mail.
Estar presente confere um significado maior à sua solicitação. Ainda que não queiram, as pessoas se lembram que tem alguém ali fora as esperando. E quase sempre cedem a umas perguntinhas pelo menos. Algumas vezes, as pernas que se batem apressadas sentam-se e a conversa se alonga por quase uma hora. O olho no olho gera cumplicidades passageiras que trazem ao repórter o inusitado, informações muito além do que ele planejou procurar.
Não concluo, com essa experiência, que o telefone prejudica a vida dos jornalistas. Ao contrário. Ele é um importante aliado para iniciar uma apuração. Mas depois precisamos nos esforçar para romper a zona de conforto das redações e buscar a cara da informação, sentir seu cheiro, seu gosto, suas contradições. A matéria-prima de um repórter foi belamente resumida no título da obra que relata as empreitadas jornalísticas do russo Anton Tchékhov, Um bom par de sapatos e um caderno de anotações. Faz toda a diferença.