PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Pra você que, alguma vez - ou várias - disse

Covardia faz falta...

Estávamos, eu e uma amiga, voltando do Rio de Janeiro para São Paulo, pela Via Dutra. Chegando em Guarulhos o carro pifou.  Não foi um pifar pifarzinho. Foi um pifarzão. O carro parou. Calou. Morreu. E não poderia ter escolhido um lugar melhor. Esperto esse carro, não? Se é para morrer, que seja diante de um grande público, na chegada à maior cidade da América Latina, com milhares de carros, caminhões e buzinas.

Por Maria Dolores
Atualização:

Onde era para existir acostamento, havia um enorme canteiro de obras. Ou seja: lá estávamos nós duas,  no meio de um furacão, com um carro morto, e sem saber a diferença entre ventoinha e cano de descarga. Com muita dificuldade, força e sorte, conseguimos empurrar o carro até uma entrada de acesso ao canteiro.

PUBLICIDADE

Telefonamos para o socorro da rodovia. Telefonamos para o seguro. E ficamos lá, por três horas e meia até um deles se decidir a chegar.  Era uma região perigosa e a situação só não foi pior porque apareceu o Johnatan. Estatura mediana, cabelos brancos, camisa azul escura e uma boa vontade que não se vê por aí. Johnatan estava voltando para casa, depois do trabalho. Passou, viu duas mulheres sozinhas e um carro estragado. Pensou que podia ser uma armadilha, uma moita para um assalto, mas também podia não ser. Resolveu seguir a intuição e deu a volta.  Estacionou o carro e perguntou "Posso ajudar?".

Johnatan olhou o motor, olhou o painel, olhou os pneus, olhou, fuçou, tentou, mas não conseguiu ressuscitar o falecido.  Mesmo assim, não foi embora. Não era seguro ficarmos ali sozinhas, enquanto não chegasse o socorro.  Ele tinha coisas pra fazer. Tinha sua própria vida, seus próprios socorros para buscar. No entanto, ficou para nos fazer companhia.

Enquanto esperávamos ele contou um pouco de si. Mineiro de Salinas, mora perto da rodovia há alguns bons anos e diz que todo dia, toda hora, tem carro com problemas por ali. Quando pode e quando acha que não vai se encrencar, para para ajudar. Outro dia, contou o Johnatan, era tarde da noite e viu um carro com uma mulher, sozinha, parecia desesperada. Achou que podia ser armação, tinha bem a cara. "Tem muita mulher bandida", diz. Resolveu parar. Foi quando viu que a mulher não, não estava sozinha. Havia duas crianças no banco de trás. O celular dela estava sem sinal. Johnatan foi até o posto mais próximo, telefonou para o marido da mulher, avisou do problema, deu a localização e voltou para esperar o socorro chegar. Não podia deixar a mulher e as crianças por ali.

Ele não precisava ter feito isso. Como não precisava ter parado para nos ajudar. Tem muita gente bandida, Johnatan, e não só mulher... Ele sabe. Já levou a pior por causa disso. Mas não desiste. Não tem coragem de passar, ver que alguém precisa de ajuda e simplesmente ir pra casa. Falta-lhe coragem para ignorar, para não agir. Johnatan abriu mão do seu direito de ser corajoso e seguir em frente, para ser um covarde e voltar, olhar para trás e para os lados e oferecer ajuda.

Publicidade

Quem dera houvesse mais gente disposta a ser covarde assim por aí...

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.