Tradição e Liturgia

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Por Supremo em Pauta
Atualização:

A eleição dos ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lucia como presidente e vice-presidente do Supremo Tribunal Federal foi marcada pela tradição, tanto no campo prático quanto ideológico. Em primeiro lugar, seguiu-se a tradição de eleger o ministro mais antigo na Corte que ainda não tenha ocupado o cargo, à revelia de qualquer debate entre candidatos com diferentes visões sobre a sua atuação na presidência do mais alto tribunal do país e também do Conselho Nacional de Justiça. Com base na tradição é possível saber de antemão todas as futuras presidências que a composição do Tribunal enseja, a despeito das convicções, perfis e planos de cada um dos ministros. Além disso, a palavra "tradição" esteve presente nas falas de agradecimento e congratulação aos recém-eleitos, incluindo a do Presidente do Conselho Federal da OAB, do Procurador Geral da República, bem como do Decano do STF. Ao receber os votos dos demais ministros, Lewandowski agradeceu a confiança e prometeu "honrar as tradições mais que seculares" e "cumprir e fazer respeitar a liturgia" do tribunal. No entanto, tradição e liturgia, em si mesmas, não são virtudes que mereçam ser perseguidas. Até o ano 2000, era tradição no Tribunal proibir que mulheres usassem calças compridas no Plenário, ou mesmo ter qualquer mulher na composição do STF. No que se refere à liturgia, há pouco que os ritos e solenidades podem fazer para garantir, por si só, a qualidade, a celeridade e a imparcialidade do Tribunal. Na verdade, o perturbador é constatar que tradição e liturgia parecem ter sido os únicos valores mencionados na maioria das falas realizadas nessa ocasião tão relevante. Se pensarmos que o STF tem um papel importante na transformação do país, na efetiva construção de um Estado de Direito para todos, a tradição e a liturgia não parecem grandes aliadas, a não ser que venham acompanhadas de outras palavras, como justiça, compromisso e eficiência, por ora abandonadas.

Eloísa Machado e Rubens Glezer. Coordenadores do Supremo em Pauta FGV DIREITO SP.

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