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A 'IdeologiaTelhada' é hoje o maior veneno para as polícias e para a população de SP.

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Entre os policiais, sensação de abandono, medo de morrer e casos de homens sendo cruelmente torturados por criminosos. Situação que faz crescer o desejo de vingança, os crimes em caixa dois (quando o policial mata sem farda e fora do horário do trabalho) e os riscos da multiplicação de grupos de extermínio e do aparecimento das milícias. A descrição desse quadro não é minha, mas do deputado Major Olímpio, em entrevista ao repórter William Cardoso, do canal Ponte.

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Já entre a população, aumenta o número de pessoas descrentes das autoridades, principalmente nas periferias, temendo que seus filhos sejam vítimas de policiais revoltados. Em meio a essa tensão, que veio à tona nos últimos dias, os casos de roubo batem recordes sucessivos em São Paulo. O crescimento foi de 42% em maio.

As notícias relativas à segurança pública, muitas vezes, chegam aos montes e se espalham diante de nós como peças soltas de um quebra-cabeças. Isoladas, não fazem sentido e parecem o retrato de uma imensa confusão. Mais exemplos desse caldeirão caótico de informações? Na semana passada, foram anunciados dois produtos que só prosperam em ambientes de medo, quando a sensação de insegurança contribui para manter a população mal informada.

Um deles é a saga do coronel Telhada em quadrinhos, falando de algumas de suas ações  na Rota. Outro é o filme A Verdadeira História da Rota, cujas sessões cinematográficas foram descritas por Fausto Salvadori, no site da Ponte. No trailer do filme da Rota, o ex-capitão Conte Lopes declara: "Nessa guerra, quem pode mais chora menos". "Vamos atrás do bandido até mesmo se ele estiver com um canhão", diz outro integrante da Rota.

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Prepara-se para um entediante passeio por este "museu de grandes novidades". Em 1980, era Conte Lopes que se vangloriava no papel de super-herói contra o crime. Hoje, ele divide o palco com o coronel Telhada. As frases de efeito são as mesmas que se repetem por quatro décadas, criticando direitos humanos, afirmando que seus militantes defendem bandidos e blá, blá, blá, blá, blá, blá.

 Foto: Estadão
 Foto: Estadão
 Foto: Estadão

Há momentos, no entanto, em que juntar as peças isoladas se torna um exercício fundamental para que a figura do quebra-cabeças tenha algum significado. Não é nada muito complicado. Para compreender, basta deixar o medo e a raiva de lado.

Conforme as peças se encaixam, fica cada vez mais evidente como o personalismo e o voluntarismo dos policiais militares que se vendem como super-heróis serviram apenas para fazes rodar a engrenagem de mortes que fazem vítimas desde os anos 1970, inclusive integrantes da própria corporação. Em 19 anos, foram mais de 10 mil. Prega-se a "caça aos marginais", como se o extermínio ajudasse a diminuir o total de criminosos nas ruas. Só que ocorre o inverso. O Estado, as leis e a Justiça ficam enfraquecidos. Aumenta a raiva contra essas instituições. A carreira criminal e a insubmissão à lei, a disposição para o tudo ou nada, acaba se tornando também uma forma de extravasar a raiva. Crescem as fileiras do crime.

A maioria dos PMs também acaba sendo prejudicada. A guerra incentivada por esse pequeno grupo voluntarista cria uma animosidade que atinge muitos policiais e civis que não estão envolvidos diretamente com os conflitos. Foi o que vimos em 2012, quando as disputas entre PCC e PM, motivadas principalmente por ações da Rota a partir do segundo semestre daquele ano, provocaram o assassinato de mais de 100 policiais e fez crescer o número de homicídios no Estado. O alerta e o receio de uma nova crise seguem vigentes.

Qual seria a alternativa? Em vez de pregar o confronto, o que fazem s boas polícias do mundo ao se deparar com um suspeito de praticar um crime? Ele é visto como um elo da ampla corrente criminal a ser desvendada. O que exige investigação. Nos dias de hoje, existem estruturas criminais complexas que fazem os crimes crescerem e se tornarem mais lucrativos - receptadores de mercadoria, atravessadores, lavadores de dinheiro, financiadores de ações criminosas, proprietários de armamentos, etc.

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Os tiroteios ou assassinatos, normalmente, afetam os "linhas de frente" dessa rede, peças facilmente substituíveis. Sem falar dos casos em que as vítimas são inocentes. A mão de obra barata do crime morre no flagrante, enquanto a engrenagem criminal segue funcionando, recrutando outros jovens dispostos a arriscar a vida por nada. A polícia civil abre inquérito para um em cada dez casos de roubo ocorridos no Estado. O resultado é que as estruturas criminais continuam em plena atividade. Já a atividade policial, conforme os próprios policiais reclamam, restringe-se a um constante enxugamento de gelo.

Em 1999, entrevistei um garoto com menos de 20 anos que já havia matado gente o suficiente para perder a conta. São Paulo batia recordes consecutivos de homicídios e chacinas. Como não podia identificá-lo, pedi que me dissesse um apelido que ninguém conhecesse. "Wolverine", ele sugeriu, numa época em que os episódios dos X-Men estavam longe de ter o sucesso de hoje.

 Foto: Estadão

A disposição para matar também o fazia se sentir um super-herói. Decidindo pela vida e morte de outras pessoas, ele assumia um superpoder que o diferenciava dos seres humanos comuns. Era um ex-humano, que se via um degrau acima na cadeia evolutiva. Um X-Man, que inspirou o nome do livro que publiquei em 2005, chamado O Homem X - Uma reportagem sobre a alma do assassino em SP (editora Record). O mundo para ele se dividia entre bons e maus. Para os inimigos, não havia perdão. Aqueles que não matavam e não participavam da guerra eram chamados pejorativamente de Zé Povinho, meros coadjuvantes no cotidiano violentos que viviam. Ainda fico assombrado com a semelhança no discurso com o dos policiais super-heróis.

Não precisamos desses super-heróis. Deixem que eles enganem a si próprios e inflem seus egos. Mas essa falácia não pode nortear as políticas públicas. Todos os especialistas concordam. São necessárias polícias que cumpram o ciclo completo. Precisamos de reformas, instituições que façam o patrulhamento ostensivo, mas também investiguem e colham provas. Em vez da guerra, teremos Justiça.

 

 

 

 

 

 

 

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