Além do mais, o uso corrente de uma palavra - como esquizofrenia, atualmente usada também para referir-se a situações contraditórias - acaba dando a ela novos significados, estigmas ou visões equivocadas.No caso da esquizofrenia, por exemplo, o Japão abandonou o termo em 2002 e adotou a expressão desordem de integração justamente para reduzir o preconceito e melhorar a prática clínica no tratamento do transtorno.
Quem trouxe essa reflexão ao Sinapses foi a cientista social, antropóloga e pesquisadora de saúde mental da Universidade de Brasília (UnB) Priscilla Menezes de Oliveira. No primeiro post que escrevi, ela comentou que a expressão doença mental é carregada de estigmas e que ela sugeria o uso de sofrimento psíquico grave.Na sua opinião seria "mais fiel ao transtorno e não pressupõe a ideia de uma doença no sentido fisiológico".Conversei melhor com Priscilla e levei o tema a psiquiatras. Com maior ou menor intensidade, eles concordaram que, sim, é preciso cuidado com as expressões usadas para categorizar doenças mentais, como também é necessário ampliar a qualidade da informação sobre o tema.
A contribuição que um termo mais leve pode dar a um paciente, no entanto, também depende de seu nível de expressão e socioeconômico, afirma Dr. Luis Felipe de Oliveira Costa, psiquiatra e pesquisador do Albert Einstein e do hospital das Clínicas de São Paulo. "Do ponto de vista biológico não há diferença, mas existe muito preconceito. Por exemplo, a depressão já é aceita, mas quando falamos em bipolaridade a situação complica. O nome está associado à doença maníaco-depressiva e esta à loucura que por sua vez é um termo pesado que remete a uma psiquiatria do passado, quando não havia terapêutica", explica. Costa também acredita que a denominação é importante, mas a melhor forma de fazer uma aproximação com o paciente é ser claro. "Expor com clareza a doença traz mais benefício que malefício. Não são os termos apenas que levam à adesão a um tratamento, mas a informação".
Resolvi abrir mais o debate no blog e enviei por email três perguntas para a cientista social Priscilla e para o Dr. André Brunoni psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo a fim de confrontar as opiniões de um profissional da área médica e outro da área das ciências sociais. Abaixo, o que cada um pensa sobre o tema.
Em que uma denominação mais leve pode contribuir para a melhora do paciente?
Priscilla Menezes de Oliveira- A denominação mais comum para o indivíduo com esses transtornos nos remete diretamente a pré-conceitos e consequentemente ao estigma. A expressão "doente mental" já está carregada de um sentido depreciativo tanto em relação ao transtorno quanto ao indivíduo. A partir do momento que se modifica a nomenclatura lhe retirando todo estigma incrustado, humaniza-se o cuidado com o indivíduo na dimensão do seu sofrimento.
Dr. André Brunoni - A nomenclatura de um transtorno psiquiátrico para uma forma mais neutra pode diminuir o estigma associado ao nome o que permite que familiares e pacientes se refiram a sua condição clínica de forma mais aberta e menos estigmatizada. Mesmo entre os médicos, principalmente não-psiquiatras, a denominação mais leve pode ajudar,pois facilita o raciocínio clínico, por exemplo, ao usar a sinonímia "transtorno bipolar de humor" ao invés de "psicose maníaco-depressiva" médicos não psiquiatras podem perceber que tal doença não ocorre apenas em estados psicóticos, extremos, e sim ao longo de dois polos. É nesta linha que vai a proposta do psiquiatra Jim Van Os, da universidade de Maastricht na Holanda, quando ele defende trocar o termo "esquizofrenia" para "síndrome da desregulação da saliência" - um termo mais técnico e menos estigmatizante. Vale lembrar que a troca de termos médicos não ocorre apenas na psiquiatria, alguns termos antigos e pejorativos como "débil mental" ou "mongolismo" foram renomeados para "deficiência mental" e "Síndrome de Down", respectivamente.
A mudança de nome, se por um lado pode aliviar a carga psicológica sobre o paciente, também não pode desorientar portadores e sociedade sobre a gravidade do problema?
Priscilla Menezes de Oliveira - A mudança de nome deve vir juntamente com uma transformação do pensamento em um âmbito social. A terapia comunitária representa um importante avanço nesse sentido. É necessário expandir a informação sobre esses transtornos psíquicos. A falta de conhecimento se encontra hoje na forma como os indivíduos são atendidos e tratados e na forma como o transtorno é abordado. É preciso humanizar o transtorno, assim como expandir a informação ao público em geral. Tirar o sofrimento apenas do âmbito médico e analisá-lo também como um problema familiar e social.
Dr. André Brunoni - Em parte sim; contudo isto dependerá, na verdade, da capacidade dos médicos em transmitirem os dados necessários para a compreensão da doença pela sociedade. Se os profissionais informarem de uma maneira correta, explicando o prognóstico da doença, não haverá desorientação.
Em que medida a adoção de novas terminologias pode auxiliar ou prejudicar na adesão ao tratamento?
Priscilla Menezes de Oliveira - A adesão ao tratamento deve ocorrer em paralelo a um trabalho de compreensão do transtorno, tanto do indivíduo como de sua família. Muitas vezes o diagnóstico é feito sem que haja uma explicação do que de fato significa tal expressão. A partir do momento que o indivíduo passa a entender seu transtorno, ocorre também uma melhor aceitação de sua condição. Eliminar o estigma, que hoje se encontra tão presente, de todo esse processo de aceitação e compreensão é dar um passo a frente no tratamento desse sofrimento.
Dr. André Brunoni - É claro que trocar o nome de "esquizofrenia" para a "síndrome da desregulaçãoda saliência" não altera per se o transtorno. Porém, na medida em que a comunicação pode ser mais aberta com a diminuição do preconceito, o diálogo entre o médico e o paciente é facilitado, melhorando a aderência ao tratamento. Contudo, a mudança isolada de terminologia sem um incremento na comunicação e no diálogo será de pouca valia.