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Superávit cognitivo

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Por Renato Cruz
Atualização:

Quando Clay Shirky, professor da Universidade de Nova York, publicou Cognitive surplus: creativity and generosity in a connected age (Superávit cognitivo: creatividade e generosidade numa era conectada) no ano passado, as resenhas sobre o livro destacaram a crítica feita à televisão. Shirky, que entrevistei em 2008, é um dos melhores comentaristas das chamadas mídias sociais.

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A crítica que ele faz à televisão consegue escapar da armadilha conteudista. No novo livro, que li durante as férias, Shirky não reclama da qualidade dos programas de TV, mas da quantidade de horas que dedicamos a eles. As pessoas destinaram cerca de 100 milhões de horas para escrever e editar toda a Wikipédia. Parece bastante, mas não é. Somente os telespectadores americanos gastam 200 bilhões de horas anuais consumindo TV. Esse tempo que passamos na frente do televisor é o que Shirky chamou de "superávit cognitivo". Com a internet, uma parcela dele começou a ser usado para gerar conteúdo, no lugar de somente consumir.

Em parte, o livro é uma retomada do trabalho anterior, Here comes everybody: the power of organizing without organization (Aí vem todo mundo: o poder de se organizar sem organizações), em que Shirky argumentou que, com a internet, é possível que um grande grupo de pessoas coordene suas atividades sem incorrer em grandes custos operacionais e sem uma hierarquia predefinida. Os protestos no Egito são um exemplo recente disso.

Shirky rebate a crítica ao conteúdo de baixa qualidade gerado pela facilidade de publicação da internet:

"O material de baixa qualidade que surge com a ampliação da liberdade é acompanhado da experimentação que gera as coisas de que gostaremos no futuro. Isso foi verdade a respeito da prensa de tipos móveis do século 15, e é verdade sobre a mídia social de hoje. Em comparação a uma era anterior de escassez, a abundância traz uma queda rápida na qualidade média, mas, com o tempo, a experimentação dá retorno, a diversidade amplia o alcance do possível, e o melhor trabalho torna-se ainda melhor do que aquilo que havia antes. Depois da prensa de tipos móveis, o ato de publicar foi valorizado porque a expansão da escrita literária, cultural e científica beneficiou a sociedade, ainda que fosse acompanhada de um monte de lixo."

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Em alguns momentos, Shirky passeia por terreno bem conhecido, seja para quem leu Here comes everybody, seja para quem conhece o trabalho do Lawrence Lessig ou livros como Rebel code: Linux and the open source revolution (Código rebelde: Linux e a revolução do código aberto), escrito por Glyn Moody.

Mesmo assim, o livro tem várias sacadas geniais, em que, com bom senso, o autor desmonta lugares-comuns. "As gerações diferem, mas menos porque as pessoas são diferentes e mais porque as oportunidades o são", escreve Shirky. Ele lembra que a chamada geração X, que chegou ao mercado de trabalho no final da década de 1980, era considerada preguiçosa.

Alguns anos depois, no começo da década seguinte, essas mesmas pessoas passaram a fundar empresas e ingressar em companhias iniciantes, trabalhando muito para agarrar novas oportunidades. Eles deixaram de ser vistos como preguiçosos para serem considerados empreendedores. Faltou, segundo o autor, levar em conta o ambiente em que esses jovens viviam. A quebra do mercado acionário de 1987 jogou os Estados Unidos numa recessão, e essa situação adversa fez com que eles arranjassem empregos pouco promissores e economizassem bebendo cerveja barata e circulando por aí com os amigos.

A diferença de comportamento, dessa forma, seria determinada pelas ambiente e pelas ferramentas disponíveis. A conclusão de Shirky faz pensar em todas as análises que lemos sobre o comportamento das gerações Y e Z.

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