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Restaurantes e Bares

Um dia de cão

Ponha uma salsicha no pão e você já tem um hot-dog. É verdade. Mas, se simples assim já é bom, esse sanduíche surgido nos EUA no séc. 19 vem ficando cada vez melhor graças a bons ingredientes e à criatividade de fãs-chefs

Um dia de cãoFoto:

Heloisa Lupinacci Tatiana Engelbrecht, especial para o Estado

O hot-dog deixou de ser vira-lata para virar cachorro de raça: continua nas vans adaptadas, mas também vem aparecendo em cardápio de restaurante.

Assim como fizeram com o hambúrguer, chefs esquadrinham a dupla pão-salsicha para criar versões assinadas, com ingredientes bem cuidados e combinações caprichadas.

Um dos cozinheiros que puxaram essa fila é Raphael Despirite, do Marcel. Na primeira edição do Chefs na Rua, em 2012, ele fez o cachorro-quente à francesa, com molho bechamel, queijo gruyère e salsicha tipo frankfurter na baguete. O sucesso foi tanto que ele continua com o sanduíche em eventos de comida de rua. “É simples, fácil de comer e não precisa de muito para ficar mais elaborado”, diz. Na última edição do Chefs na Rua, no aniversário de São Paulo, ele vendeu 1.700 dogs.

Na Lanchonete da Cidade, os totós, como foram batizados, são bem tratados: a casa contratou uma historiadora para resgatar a história do cachorro-quente em São Paulo. A pesquisa levou nove meses e resultou em um cardápio com sete dogs que homenageiam casas que ganharam fama por servi-lo.

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Um é o salada paulista, que leva salsicha Berna ou linguiça de Bragança Paulista, coberta com salada de batata salpicada com raspas de ovo cozido, e faz referência ao restaurante fundado na década de 1930 que se popularizou pela salada de batata servida com salsicha. Segundo a pesquisa, ao vender o embutido abraçado por um pão francês, o Salada Paulista se tornou o primeiro restaurante de São Paulo a servir cachorro-quente.

Para farejar de perto o que os chefs estão inventando em termos de cachorro quente, o Paladar visitou dez restaurantes. Não entraram no roteiro barraquinhas e quiosques, como o Doog, que acaba de se instalar no shopping Cidade Jardim. O chef Raphael Despirite e o sommelier e charcutier Rene Aduan Jr. foram companheiros de jornada.

No final da empreitada, uma constatação: falta cuidado com o pão. No geral, quando não prejudicou o conjunto, contribuiu muito pouco para o resultado. A boa notícia é que o mesmo não acontece com a salsicha. Com poucas exceções, as casas se mostraram preocupadas em servir embutidos bons.

Pioneiro. Hot-dog de Raphael Despirite é gratinado e leva molho bechamel e queijo gruyère. FOTO: Sergio Castro/Estadão

Quatro pessoas e dez sanduíches em dez horas

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Não basta enfeitar o sanduíche para tirar dele o estigma de popular: para um cachorro-quente ganhar pedigree ele precisa de boa salsicha e bom pão.

Boa salsicha é aquela feita com carne boa, nada da chamada carne mecanicamente separada, a sobra da sobra. O fazer menos industrializado vai dar à salsicha características identificáveis na mordida: ela não é totalmente homogênea – ao observar a salsicha mordida, você perceberá buraquinhos bem redondos e diferenças de texturas. Enfim, haverá irregularidades. No entanto, ela não pode ter grumos. “A massa deve ser fina e com textura macia”, ensina Rene Aduan Jr., que comanda a Alma Rústica Gastronomia, especializada em embutidos. Também é preciso cuidar do ponto do cozimento. A salsicha deve apresentar alguma resistência à mordida, ou seja, não deve ser cozida demais.

O pão deve ser fresco e leve, não pode ser massudo. Se vai ser crocante ou mole, isso já é questão de estilo – há quem prefira baguete, há quem espere o pão molinho.

Por definição, o pão de cachorro-quente é murcho. “A massa tem bastante açúcar, tem leite e, assim, absorve água do ambiente. Ao tirar o pão do forno, ele insinua que terá uma casca. Mas basta deixá-lo descansando um pouco para que ele fique molinho. Tecnicamente, é porque murchou, absorveu água do ar”, explica Aduan.

Definida a base, o espaço entre as metades do pão está à disposição do chef, cozinheiro ou dogueiro para invenções e firulas. E é aí que mora o perigo. O querido dogão (com purê, batata palha, milho, ervilha, vinagrete e duas salsichas, alô, Félix!) é símbolo da tendência ao exagero. “É difícil achar o equilíbrio entre pão-e-salsicha e pão-salsicha-e-um-monte-de-coisa”, diz Régis Pina, diretor de marketing da Cia. Tradicional de Comércio, dona da Lanchonete da Cidade. Fomos atrás de todas essas variações numa tarde. Foram dez horas exatas, das 12h às 22h: uma hora para cada hot dog. Em quatro – além de Despirite e Aduan, estávamos Tatiana Engelbrecht e Heloisa Lupinacci, do Paladar –, pedimos sempre dois sanduíches – exceto no General Prime Burguer, cujo Cachorrão 130g comemos aos quartos.

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Rene Aduan Jr., teve a tarefa de, além de avaliar os dogs, combinar de uma cerveja com cada um deles. “Embutidos, pão e cerveja foram a base da alimentação europeia por séculos. O sucesso do encontro se deve em parte porque o frisante da cerveja refresca os elementos gordurosos do embutido, ao mesmo tempo em que as notas de fermento e de malte se encontram com os sabores do pão.” Todos os textos de “Vai bem com” são do sommelier.

Leia mais:+ ‘Ketchup no hot dog é crime grave’

RIVIERA BAR

FOTO: Epitácio Pessoa/Estadão

O Hot Dog Pina (R$ 22) é o mais elegante dessa rodada. O pão e salsicha (Eder) vêm com cebola caramelizada e um pouco de molho de tomate (uma colherada, coisa muito sutil, na medida). A salsicha é escaldada e depois passada na chapa. Um potinho de mostarda alemã completa o conjunto.

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Vai bem com: o caramelizado da cebola e o condimentado do molho conduzem à escolha por semelhança: estilos que tenham caramelizado do malte e lúpulos herbais. A vienna lager tem a leveza necessária para combinar com esse dog delicado. Bierland Vienna Lager (R$ 14,90, 600 ml, na CervejaStore).

Av. Paulista, 2.584, Bela Vista, 3258-1268

BREWDOG

FOTO: Alex Silva/Estadão

O bar-vitrine da cervejaria escocesa oferece quatro opções de dog. O preparo do Dog SP (R$ 18) começa em uma salamandra, para onde vão o pão e a mussarela. Depois, entram a salsicha (Eder), molho vinagrete e um punhado generoso de batata palha caseira. O processo é cuidadoso, mas conjunto final não emociona. O pão engoliu o queijo e faltou acidez ao vinagrete. Já a salsicha, parecia ter ficado na água tempo demais.

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Vai bem com: O cachorro quente com queijo derretido e bastante batata palha combina com três estilos servidos na casa: a amber ale 5 AM Saint, a american ipa Punk IPA (ambos R$ 18, 284 ml), e a american pale ale Dead Pony Club (R$ 16,50). O cítrico dos lúpulos americanos e a efervescência frisante refrescam o paladar para a próxima mordida.

R. dos Coropés, 41, Pinheiros, 3032-4007

210 DINER

FOTO: Daniel Teixeira/Estadão

O Chili Dog (R$ 17), referência ao cachorro-quente do Nathan’s, de Coney Island, o berço do sanduíche, vem com uma bela colherada de molho de carne moída com tomate e queijo estepe. A salsicha (Tosello) é muito boa, com gosto de carne e de gordura, mas quase ficou escondida pelo molho, que era menos picante do que o esperado.

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Vai bem com: Uma american amber ale é certeira aqui. O leve dulçor e caramelo dos maltes vão bem com os sabores da carne moída e o sutil defumado da salsicha. Frisante e levemente amarga, ela limpa a gordura da boca. Way Irish Red Ale (R$ 8,90, 310 ml, no Clube do Malte).

R. Pará, 210, Higienópolis, 3661-1219

CÃO VÉIO

FOTO: JF Diório/Estadão

Poderoso, o Scooby Doo (R$ 21) é uma versão comestível de um hardcore: tudo na máxima potência. A salsicha, tipo frankfurter (Berna), vem escoltada por queijo gruyère derretido, mostarda marrom, molho de tomate picante e cebola caramelizada. O pão de batata da padaria Villa Bahia envolve e ameniza o conjunto. É o mais vigoroso de todos os cachorros-quentes provados. Para quem gosta de intensidade, mas sem perder a finesse.

Vai bem com: O molho poderoso contribui para harmonizações com cervejas mais robustas, como a american ipa. Este é um ótimo caso em que a potência dos lúpulos americanos ressalta o condimentado. Ballast Point Sculpin (R$ 21,99, 355 ml, na Puro Malte).

R. João Moura, 871, Pinheiros, 4371-7433

LE JAZZ

FOTO: Epitácio Pessoa/Estadão

O Chien Chaud (R$ 24,50) foi o sanduíche-refeição da jornada. Chegou à mesa com salada verde, um potinho com chucrute e batatas fritas. A salsicha tipo frankfurter (Wessel) vem na baguete com queijo gruyère gratinado. Pesado, o pão não favoreceu o conjunto. Já o excesso de personalidade e gordura do queijo escondeu a salsicha, que estava defumada na medida exata e foi a que mais se aproximou em textura e sabor de um embutido artesanal.

Vai bem com: a generosa porção degruyère gratinado aponta para cervejas do estilo saison. Ela pede a acidez da french saison, que vai cortar as gorduras, junto do vigoroso frisante. Os aromas e sabores de especiarias, chamados fenólicos, deste tipo de cerveja também são aliados dos embutidos. Duas Cabeças Saison à Trois (R$ 20,90, 500 ml, na Cerveja Store).

R. Dr. Melo Alves, 734, Jd. Paulista, 3062-9797

LANCHONETE DA CIDADE

FOTO: JF Diório/Estadão

Criado em homenagem à jovem guarda paulistana, que fez da lanchonete na avenida São Gabriel ponto de encontro nos anos 1970, o Heaven (R$ 18,50) leva salsicha branca fininha de vitela (Berna), relish de beterraba e salada coleshaw, com raiz-forte, cebola roxa e abacaxi. Assim que os sabores (defumado da salsicha, doce do relish e ácido da salada) e as temperaturas (quente da salsicha e fresco dos vegetais) se encontraram foi aquele “humm” em uníssono. Não é para fãs de dogão, porque ele é sutil e fresco – e surpreendente.

Vai bem com: esta configuração de salsicha branca de vitela é típica da região da Bavária e garante uma perfeita harmonização cultural com as cervejas do tipo Hefe Weissbier, como a Paulaner Hefe-Weizen (R$ 16,50, 500 ml, na Puro Malte). O coleslaw de repolho, que tem leve acidez-adocicada do suco de abacaxi, permite ainda tentar a combinação com uma belga de trigo estilo witbier como a Hoegaarden (R$ 6,90, 330 ml, no Submarino).

Al. Tietê, 110, Cerqueira César, 3086-3399

ST. LOUIS BURGER

FOTO: JF Diório/Estadão

O pão vem levemente tostado, a salsicha, grandona, cortada ao meio, é da Eder. Vem com anéis de cebola relhada, queijo gruyère e picles. A combinação funciona muito bem. O Flat Dog (R$ 14) é um belo sanduíche. Mas se a salsicha não fosse cortada, se viesse inteira e fizesse aquele ploc quando o dente rompe a pele, seria outra história.

Vai bem com: a salsicha grelhada tem alguma coisa de churrasquinho e convida a uma aliança com cervejas que tenham um pouco de maltes escuros, que vão dar notas de toffee, e lúpulos equilibrados. Uma brown ale inglesa ou americana é a melhor opção. Brooklyn Brown Ale (R$ 8,99, 355 ml, no Pão de Açúcar).

R. Pe. João Manuel, 974, Jd. Paulista, 2368-6192

MARCELINO PAN Y VINO

FOTO: Marcio Fernandes/Estadão

O Cachorrão (R$ 30) chegou a sair do cardápio, mas a chef Daniela França Pinto logo reconsiderou. Pudera, o conjunto é potente. Com 25 cm, a salsicha suína (Berna) é enrolada em uma respeitável fatia de bacon e frita em imersão. Depois, é abraçada por pão orgânico e ganha a companhia de cheddar e mostarda de raiz-forte (ambos na medida), e mais batata palha.

Vai bem com: a salsicha enrolada com bacon fortalece a ideia de uma harmonização por semelhança com uma cerveja típica da cidade de Bamberg. A Rauchbier é certeira e, neste caso, das inúmeras opções, escolha uma que leve maltes escuros (Marzen) para melhor acordo com o bacon frito. Bamberg Rauchbier (R$ 10,35, 355 ml, na Costi Bebidas).

R. Girassol, 451, Vila Madalena, 3034-0461

THE DOG HAÜS

FOTO: Rafael Arbex/Estadão

Na Dog Haus, o cliente recebe o cardápio com opções de sanduíche de um lado e uma lista de ingredientes que podem ser combinados de outro. Dá para se perder. Fomos de Bulldog (R$ 20), um com salsicha viena e outro com embutido de cordeiro. A apresentação caprichada, com direito a suporte próprio, foi pouco para impressionar. A combinação do molho especial (queijo, cenoura e picles) com o blue cheese foi impiedosa e sufocou o chucrute norueguês e o relish de pepino. Valeu pela salsicha de cordeiro, com temperos frescos.

Vai bem com: A california common é leve com suave citricidade dos lúpulos americanos, sendo certeira com a salsicha viena e o molho de queijo. Anchor Steam (R$ 18,80, 355 ml, na Costi Bebidas). Com a de cordeiro, podemos voar mais alto: os estilos de bock são a melhor opção – pode escolher entre helles bock ou tradicional bock. Ambas têm amargor suave e álcool moderado; atributos fundamentais para selar um bom acordo com a carne de cordeiro com ervas. Bamberg Maibaum (R$ 16,50, 600 ml, na Puro Malte).

R. Bandeira Paulista, 406, Itaim Bibi, 2361-4725

GENERAL PRIME BURGER

FOTO: Rafael Arbex/Estadão

O Cachorrão 130g (R$ 26) é um dog democrático. Ele vem à mesa assim: pão-purê-salsicha e quatro potinhos (molho de tomate, vinagrete, maionese temperada e cubinhos de bacon). Daí quem quer aquele dogão mais carregado, é só colocar tudo de bastante. Quem for adepto de um estilo mais minimalista, põe só um pouquinho de cada. A salsicha da Tosello é boa, o purê é levinho, levinho. E o bacon dá uma potência extra de defumado à salsicha.

Vai bem com: uma cerveja interessante que tem um suave defumado do malte – que vai combinar com o defumado do conjunto deste cachorro-quente – é a scottish 80. É uma cerveja leve, com malte defumado em turfa, o que combina bem com grelhados. A única scottish 80 importada para o Brasil é a austríaca Mac Queens Nessie (R$ 18,70, 330 ml, na Costi Bebidas).

R. Joaquim Floriano, 541, Itaim Bibi, 3060-3333

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 30/1/2014

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