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Comida

Sem muita frescura

Mais da metade dos peixes que se consomem no Brasil é produto da pesca extrativa – e não de criatórios. Mas o cenário que cerca essa atividade é pouco alentador. Com a demanda pelas mesmas espécies de sempre, os estoques pesqueiros foram sendo devorados. Estima-se que 80% das espécies dos mares das Regiões Sul e Sudeste estão em sobrepesca, segundo Antônio Olinto, do Instituto de Pesca, de São Paulo. Isso significa que, para conseguir extrair um peixe do mar, é preciso muito mais esforço de pesca, ou seja, ir mais longe e com mais mão de obra – o que aumenta o custo total da operação e, claro, o custo final do pescado.

Sem muita frescuraFoto:

“A pesca no Brasil é que nem uma corrida do ouro”, diz Carolina Bertozzi, bióloga e diretora do projeto Biopesca, da Unimonte, de Santos. “O pessoal descobre um lugar que tem um determinado tipo de peixe que tem saída no mercado e todo mundo sai correndo atrás. O manejo da pesca é risível.”

A captura de espécies populares como robalo, pescada e corvina não é controlada. “Não temos dados nem sobre o total de nossa frota pesqueira. Como então articular uma política de manejo? A falta de informação é total”, diz Carolina.

Um dos principais entraves à elaboração de um plano que faça da pesca extrativa uma atividade sustentável é justamente a ausência de dados. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) não tem cadastrados os pescadores artesanais, que fornecem mais da metade do que se consome no País. A desinformação vem do passado: nos últimos 25 anos, o tema da pesca extrativa já passou pelas mãos de diversos órgãos governamentais, como Sudene, Ibama, Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, até ficar sob o comando do MPA, criado apenas em 2009 – e criticado por ser usado como moeda de troca nos arranjos políticos fisiológicos do governo com a base aliada.

O fato é que, entre politicagem e falta de planejamento, toda a cadeia fica prejudicada. Do consumidor, que não tem acesso a um produto com qualidade tão boa quanto poderia ser, ao pescador, que tem seu trabalho subvalorizado. A pesquisadora Cintia Miyaji, da Unimonte, em Santos, tem trabalhado para tentar contornar esses problemas. Ao lado de Carolina Bertozzi, ela coordena o Pescador Amigo, em São Paulo. O projeto, lançado no ano passado, visa à formação dos pescadores artesanais paulistas – um furgão viaja pelas praias com pesquisadores que levam material de capacitação sobre manuseio, higiene, consciência ambiental. “No primeiro momento é difícil a abordagem, porque a pesca é um ofício tradicional. Mas aos poucos o pescador percebe que com pequenas ações pode melhorar bastante sua renda”, diz Cintia.

Em paralelo ao projeto, as pesquisadoras da Unimonte estão preparando um guia para incentivar o consumo de peixes menos comuns, mas mais saborosos e frescos que o salmão do Chile, por exemplo. Enquanto a pesca artesanal não fornece volume e qualidade suficiente para garantir o abastecimento regular de restaurantes e mesas, chefs de cozinha tentam criar alternativas para driblar os obstáculos impostos pela problemática cadeia do pescado.

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Alguns estão buscando fornecimento direto com pescadores, sem intermediários. “Mas para quem não é profissional é muito complicado conseguir estabelecer esse canal”, admite Bella Masano, do Amadeus.

O peixeiro Marcelo Nonaka, da Ocean Six, em Moema, que trabalhava em feiras de rua na cidade, recorre ao avião para encurtar o tempo de espera pelo produto: manda vir pelo ar o robalo que é pescado no Maranhão, ou o salmão chileno. “Mas o frete é caro, e isso vai para o preço final”, diz.

‘Deus multiplicou o peixe, não o frango’

O brasileiro consome cada vez mais peixe. Mas ainda é pouco, se comparado ao resto do mundo. E são sempre as mesmas espécies que vão para o prato: pescada, salmão, tilápia, atum, bacalhau, linguado, talvez uma corvina. A maioria quer comer aquele peixe de sempre.

Dados da Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) divulgados no ano passado (mas relativos a 2011) revelam que, em média, o brasileiro come 11 kg de peixe por ano. A Organização Mundial da Saúde recomenda ao menos 12 kg – e a média mundial gira em torno de 18 kg. Há, portanto, espaço para o consumo de pescado no País crescer.

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O ministro Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, do seu tio Edir Macedo, costuma dizer que “Jesus não multiplicou o boi, o frango e o porco. Multiplicou o peixe”. A frase é para justificar o investimento no setor – especialmente na aquicultura. O cultivo de peixe de água doce é a grande aposta do governo para que o Brasil eleve sua produção e deixe de importar quase 1 milhão de toneladas anuais de pescado.

A aquicultura pode vir a suprir o mercado de forma controlada, na mesma escala industrial da carne bovina ou suína – meta do MPA–, mas, nesse debate, pouco se fala sobre qualidade, diversidade e sustentabilidade do modelo.

Como reconhecer se o peixe é fresco

Olho

Deve estar cristalino, saltado para fora. Quando o peixe já não é tão fresco, ou ficou tempo demais no gelo, o olho torna-se mais opaco e côncavo.

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Guelra

Outro sinal visual é a guelra: deve ter uma cor vermelho-viva e brilhante. Quanto mais velho for o pescado, mais alaranjada fica a guelra.

Textura

A carne deve estar bem firme e elástica. Apalpe sem medo o bicho e sinta se ele resiste ao toque – especialmente a barriga, onde estão as vísceras, que estragam primeiro. Se estiver mole, é sinal de que o peixe já tem muito tempo ou foi descongelado.

Cheiro

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O peixe não pode ter aroma muito forte, só aquele cheiro suave e delicado de maresia. Peixes de mar, depois de algum tempo, começam a recender a amônia. Com peixes de água-doce é mais difícil saber a ‘idade’ pelo cheiro, pois eles não desenvolvem tanto odor.

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 13/2/2014

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