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Comida

Ressaca geladinha

O resultado da maratona sorveteira lembra o da bebida – não a bebida do arrependimento, mas a da boa sensação de exagero

Ressaca geladinhaFoto:

Foi como se eu tivesse tomado um porre de sorvete. Delicioso, mas ainda assim um porre. Depois de oito horas navegando pelas barracas do festival, provando de tudo, a sensação era de embriaguez – com direito a confusão de conceitos, mistura de sabores, um pouco de enjoo e até uma leve tontura.

Experimentar sorvetes italianos e entender a cultura local do gelato estava entre os objetivos da viagem à Itália. Passei os 30 dias que antecederam o evento entre os gelatos feitos com leite, creme e gema, de creme macio e mais gordo – o gelato de estilo toscano, predominante no festival – e o sorbet de água e frutas de história mais antiga e de tradição siciliana.

Eu havia passado por umas dez cidades da Itália, provando uma média de três gelatos (seis sabores diferentes) por dia. Já estava treinado em ritmo de correria, mas enfrentar a maratona de Florença foi quase alucinante. Usei o primeiro bilhete de degustação para tomar alguns gelatos selecionados. Primeiro, o de noz-pecã e xarope de bordo, do canadense James Coleridge, eleito o melhor do ano no festival. Textura cremosa, sabor equilibrado entre o doce e o salgado e forte pegada das castanhas. Depois, sinfonia d’estate, criado pelo florentino Giuseppe Deiana, uma mistura bem leve de frutas cítricas e cointreau. Tomei o delicado gelato de ricota de búfala e nozes preparado por Domenico Belmonte; provei o de açafrão, de cor marcante e sabor pungente, de Gianfrancesco Cutelli; e encerrei a primeira parte da jornada com o simples e delicioso sorvete de baunilha de Madagáscar preparado pelo português Claudio Guerreiro.

Queria provar todos os gelatos do festival, mas não aguentaria seguir no mesmo ritmo. O jeito foi enfrentar os demais em porções menores. A cada barraca de artesão visitada, um mundo de novas texturas e sabores se criava dentro da boca. O elisir, de Laura De Angelis, de Milão, misturava amêndoa, açúcar mascavo, cardamomo e anis de forma surpreendente. O sorveteiro Nicola Salerno, da Calábria, criou um refrescante sorvete de kiwi e banana, em que os sabores se completam perfeitamente, e Vincenzo Pace, da gelateria Il Pinguino, mostrou um interessante sorbet de chocolate, feito como deve ser o sorbet, com água e sem o uso de leite ou creme. Era ao mesmo tempo cremoso e leve.

Mas nenhum sabor foi tão marcante quanto o oro verde, sorvete de azeite de oliva apresentado por Toni Cafarelli. O creme básico preparado com leite, creme de leite, açúcar e farinha ganhou o complemento de azeite e um toque de sal. O resultado foi a massa bem branca e de sabor extremamente suave. Para finalizar, o gelato era coberto com gergelim, sal defumado e farinha de pão. Memorável. Foi o sabor mais impressionante e surpreendente que provei em toda a viagem à Itália, misturando sensações e confundindo o paladar de forma deliciosa.

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O resultado final da maratona realmente lembrava a bebida, mas não a bebida que dá ressaca, e sim aquela agradável sensação de exagero, que passa logo e vira só a lembrança de um grande banquete. / Daniel Silveira

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