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Os fantasmas se divertem

Entre esta quinta, 1, e sexta, 2, caveiras estilosas tomam as ruas do México na festa do Dia dos Mortos. A mais famosa delas é La Catrina, idealizada pelo artista mexicano José Guadalupe Posada.

Os fantasmas se divertemFoto:

Em São Paulo, Posada, cujo centenário de morte é comemorado em janeiro de 2013, e Jorge Amado, cujo centenário de nascimento foi comemorado em agosto deste ano, são os homenageados pela cozinheira Lourdes Hernández no menu do Dia dos Mortos na Casa dos Cordeiros, um dos restaurantes, bares e afins que promovem a festa mexicana na cidade.

O maior símbolo da mesa dessa festa é o pão de muerto, temperado com água de laranjeira e de anis e decorado com ossos e lágrimas para simbolizar o luto e a saudade daqueles que se foram. Lourdes preparou o pão, ensinou a receita e também um depoimento sobre a festa dos mortos no seu país.

Bem-vinda. Só a partir do séc. 19 o homem passou a estranhar a ‘indesejada’. FOTOS: Felipe Rau/Estadão

CHACOALHANDO O ESQUELETOComentário por Lourdez Hernández 

Muito já se escreveu sobre como os mexicanos convivemos e zombamos da morte com prazer. O tema da caveira é comum aos povos e às culturas pré-modernos. Comum ao mundo pré-hispânico e à Europa cristã medieval. A morte à mexicana tem duas vertentes: as caveiras e a festa dos mortos.

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Os povos, dos dois lados do Atlântico, sempre estiveram acostumados não só às representações das caveiras, mas a conviver com a morte em si. Foi a partir do século 19, com a secularização da vida pública e as disposições sobre os enterros, que a morte ficou estranha ao homem moderno, para quem a visão das caveiras virou ofensiva.

No México temos as mesmas atitudes comuns a todo mundo quando damos de cara com a morte dum ser querido. Só que crescemos convivendo com esse universo sorridente das caveirinhas, que, mais que um ritual de evocação da morte, são reflexão sobre a vida, nossas fraquezas e vícios. Elas são sátira, gozação, bagunça absoluta. Aprendemos no berço músicas que dizem que “a vida não vale nada”, “se vão me matar amanhã, é melhor ser morto já agora”. Brincamos na corda bamba da língua que acaricia e deita com a morte, dançando numa vigorosa batalha perdida ante o incontornável. O ator Emilio el Indio Fernández, repetia que não tinha medo dela, mulher da última parada, nosso amor mais duradouro.

Octavio Paz escreveu que no mundo moderno tudo funciona como se a morte não existisse. “Tudo a suprime: as prédicas dos políticos, a publicidade dos comerciantes, a moral pública, os costumes (…) O século da saúde, da higiene, dos anticoncepcionais, das drogas milagrosas e dos alimentos sintéticos também é o século dos campos de concentração, do Estado policial, do extermínio atômico, do terrorismo institucionalizado…” Ninguém pensa na morte própria, como Rilke queria, porque ninguém vive uma vida pessoal.

As caveiras (que o diga o cineasta Tim Burton) estão aqui para cantar nossa história agridoce. Bailam o ritmo que você queira, gostam da bagunça eterna. Vivos e mortos, numa festa singela gozamos a vida. Tudo que nosso povo tem de irreverente, de sarcástico, de rir de si mesmo, pode ser visto nas chamadas caveiras. A oferenda de dia de mortos, efêmera e vital, é talvez esse nosso arar no deserto da vida mágica e eternamente finita.

La Catrina. A caveira-ícone. FOTO: Reprodução

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ROTEIRO DO ALÉM

Se essa história de pão de muerto e esqueletos deu vontade de festejar os mortos, fique atento nesta sexta-feira, 2, para a reportagem de capa do Divirta-se. Ela é dedicada ao Dia dos Mortos e indica festas e jantares especiais, além de um roteiro de bares e casas mexicanas para o ano inteiro.

Na Casa dos Cordeiros, da mexicana Lourdes Hernández, vai ter pão de muerto, mole e tacos. É preciso fazer reserva pelo guisandeira @ gmail.com. Obá, La Mexicana e Exquisito! também farão cardápios especiais para a data.

>> Veja todos os textos publicados na edição de 1/11/12 do Paladar

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