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O vinho custa mil dólares. Mas o sabor vale a pena?

Por Dave McIntyreWashington Post

O vinho custa mil dólares. Mas o sabor vale a pena?Foto:

“Você está maluco?”, eu perguntei. Meu amigo tinha acabado de me contar que estava pensando em comprar uma garrafa de Screaming Eagle, um Cabernet Sauvignon com status de “cult”, produzido em Napa Valley, na Califórnia, e preço na casa dos mil dólares. E ele queria dividi-lo comigo. Como especialista em vinhos e amigo, cabia a mim dizer se aquela compra valia a pena ou não.

“Você está maluco?”, eu repeti.

Ele me garantiu que não, murmurando algo como “A gente nunca sabe o dia de amanhã”. Uma semana depois, recebi uma foto da tão falada garrafa, debaixo de um retrato da Virgem Maria.

Na noite combinada, eu e minha esposa aparecemos no bar do qual o meu amigo é dono para jantarmos com ele e outro conhecido. Eu levei uma garrafa de RdV Vineyards Lost Mountain, safra de 2009, o mais próximo que temos de um vinho “cult” no Estado da Virgínia. Custou 95 dólares. À medida que o sommelier nos servia, meu amigo e anfitrião explicava o fascínio que sentia pelo Screaming Eagle.

FOTO: Divulgação

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“Não é o Cálice Sagrado dos cabernets, mas pelo menos podemos dizer que temos condições de apreciá-lo”. O interesse surgiu quando ele leu uma matéria sobre um garçom que recomendou o Screaming Eagle a um cliente. O funcionário disse que o vinho custava “37, 50″, número que soa cem vezes menor do que os 3.750 dólares estabelecidos pelo cardápio. Quando o assunto é um cabernet “cult”, contar bem as casas decimais é algo importante. No fim, o restaurante acabou cobrando 2.200 dólares pela garrafa.

Algumas semanas depois, outro garçom, de outro restaurante, “tentou me vender o Screaming Eagle também por cerca de 2 mil dólares”, disse meu amigo. “Não comprei, claro, mas fiquei pensando no que havia tão de especial nesse vinho. Por que toda essa empolgação?”

Ele encontrou um fornecedor de Nova York, que vendia o produto por pouco menos da metade do que foi oferecido no restaurante. E uma das garrafas compradas era a que estávamos tomando. (Meu amigo, por sinal, pediu para que eu escondesse a sua identidade. Afinal, as pessoas podem achar que ele é mesmo maluco.)

O nosso Screaming Eagle era de 2011, uma safra que precisou ser persistente, por causa de um ano chuvoso na Califórnia. Ainda assim, esse vinho era vigoroso e atraente, com uma textura aveludada, frutas que chamavam a atenção e um bom acabamento. Apesar da graduação alcoólica de 14,8%, não era pesado. Era doce como uma geleia de cereja, com um toque de sálvia e aroma de laranja, parecido com aquele cheiro que você sente quando espreme a fruta.

“Não estou exagerando. É um cabernet muito bom”, disse o meu amigo. “Mas se você pusesse lado a lado com boas safras de Silver Oak ou Opus one” – dois famosos cabernets de Napa Valley que custam muito menos, ainda que não sejam baratos – “eu teria dificuldades em dizer qual é qual”.

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O vinho da Virgínia também era delicioso, mas parecia a princípio mal acabado e até sem graça em comparação com o Screaming Eagle. Mesmo assim, aos poucos, o gosto frutado e a estrutura começaram a nos chamar a atenção. Tinha tudo para ser apagado, mas aparentemente havia algo a mais ali.

Quando terminamos a refeição, bridamos à nossa amizade e ao pai do meu amigo, que havia acabado de morrer depois de uma batalha de dois anos contra um câncer. Levemente embriagado, percebi que a atitude “a vida é curta” que o meu amigo mostrou quando comprou o Screaming Eagle tinha sido alimentada pelo sentimento de perda. Ele não era maluco. Ele estava em um processo de luto e apreciando as oportunidades que tinha recebido – muito por causa de uma vida dura de trabalho do seu pai, imigrante. Viver por ao menos um tempo uma vida requintada não era extravagância, mas reconhecimento e gratidão.

Nosso jantar tinha acabado, mas o vinho, não. Conforme nos servíamos e saboreávamos as últimas duas garrafas, o Screaming Eagle era o que era. Não tinha mudado, e para falar a verdade, até começou a nos entediar um pouco. O RdV, por sua vez, havia superado a resistência inicial. O vinho ascendente da Virgínia agora cantava, com a voz ecoando em nossas taças. E poderíamos comprar uma caixa e meia dele com o preço de um Screaming Eagle.

Por fim, pegamos os nossos casacos, e perguntei ao meu amigo se a extravagância dele tinha valido a pena. “Claro”, ele respondeu. “Experimentei e dividi com meus amigos um dos vinhos mais exclusivos de Napa. O que mais eu posso pedir?”

Será que o pai dele teria gostado do Screaming Eagle, indaguei. Ele balançou a cabeça, sorriu e disse: “Ele teria dito que eu estava maluco”.

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/ Tradução de Estevão Taiar, especial para o Estado

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