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Comida

Nesse cupuaçu tem caroço

Por Neide Rigo

Nesse cupuaçu tem caroçoFoto:

O que cupuaçu tem a ver com cacau? A pele de um não é o pelo do outro. A polpa do cacau é pouca e doce, a do cupuaçu, farta e cremosa. Os dois são do mesmo gênero, Theobroma, e de fora parecem parentes distantes. Mas por dentro a coisa muda. E é para aí que vamos olhar: debaixo da polpa, sob a pele, estão as sementes. E ao provar uma semente de cupuaçu eu me lembrei da primeira vez que comi chocolate 100% cacau trazido da Venezuela. Era amargo, mas não de travar a garganta. Era um sabor primordial que instiga papilas adormecidas. E as mesmas papilas acordaram quando mordi a semente de cupuaçu.

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Não qualquer semente de cupuaçu. Fresca, crua ou cozida, ela é ruim. Depois de fermentada e seca, ela fica crocante, amarga, perfumada. E eu fiquei encantada. Comprei um bocado da cooperativa Projeto Reca (leia abaixo) e levei as amêndoas para a cozinha. O amargo combina com a própria polpa do cupuaçu e de outras frutas, pode perfumar o leite quente e permite uma infinidade de molhos à moda mexicana. Além de apontar rumo ao repertório de receitas para chocolate sem açúcar.

Falando em chocolate, a maior prova de semelhança entre cacau e cupuaçu é que um vira chocolate; e o outro, cupulate. E isso já foi tema de disputa internacional. Há quase dez anos, ONGs brasileiras empreenderam uma batalha contra uma empresa japonesa que registrou como seu o nome cupuaçu e patenteou o cupulate. No primeiro caso, o Brasil ganhou porque não se pode registrar nome de matéria-prima de um país como marca comercial. E em relação ao cupulate, a Embrapa havia patenteado nome e processo em 1990. Mas de volta ao cerne: não é fácil cravar os dentes na semente de cupuaçu. Primeiro é preciso descascá-la. A película que a envolve é firme. Ou se faz isso na unha ou na ponta da faca. De um jeito ou outro é trabalhoso.

A parte da polpa adere firmemente à semente. Em casa, só se consegue separá-la na tesoura. Na cooperativa do Projeto Reca, as sementes são despolpadas mecanicamente e fermentadas em caixas de madeira por mais ou menos sete dias. Depois, espalhadas sobre um estrado de madeira, secam ao sol por quatro dias. A secagem continua em secador a lenha, por 15 horas. Para comê-las, é bom esperar esfriar: a gordura solidifica deixando cotilédones crocantes e quebradiços, com textura de migalha de massa filo ou biscoito amanteigado.

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É difícil retirar a película sem quebrar as amêndoas e esses pedacinhos são conhecidos internacionalmente, tanto do cacau como do cupuaçu, como nibs – matéria prima para o cupulate e outros subprodutos. Enquanto os nibs de cupuaçu não são vendidos no mercado, e tudo é uma questão de demanda, vamos nos divertindo com as amêndoas inteiras que despelamos na faca.

Elas podem ser encomendadas no Projeto Reca (69 3253-1007) ou com Eduardo Guimarães, professor de antropologia na Universidade do Estado da Bahia que mantém um pequeno negócio que envolve o cultivo orgânico e processamento das sementes (71 3337-0572).

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