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Na guerra da linguiça, ganha a boa mesa

HISTÓRIAS DA MESAna última quinta-feira de cada mês

Na guerra da linguiça, ganha a boa mesaFoto:

Por Dias Lopes

Duas cidades brasileiras querem produzir a melhor linguiça nacional. Uma é Maracaju, a 160 quilômetros de Campo Grande, no sudoeste do Mato Grosso do Sul; a outra, Bragança Paulista, a 90 quilômetros de São Paulo. Mas seria melhor que chegassem a um acordo e dividissem a boleia. Afinal, ambas preparam linguiças de qualidade e fama, embora sigam receitas diferentes.

A de Maracaju leva cortes bovinos – contrafilé, filé mignon, picanha, alcatra e coxão mole. Na receita típica de Bragança vai carne suína – pernil desossado e, às vezes, lombo. Se for levado em conta o fato de usar carne suína, a bragantina sai na frente no quesito autenticidade. Aliás, origina-se em uma região que se destaca pela criação de porcos.

Linguiça é o mais antigo embutido criado e difundido do mundo. Surgiu para conservar a carne suína. Os historiadores gastronômicos estão convencidos de que foi inventada no sul da Itália, em tempos pré-cristãos, na Lucânia, antiga colônia grega que os soldados romanos conquistaram no século 3º a.C. Correspondia à atual região da Basilicata, situada entre a Calábria, a Apúlia e a Campânia.

Bragantina. 12 fabricantes preparam a linguiça de pernil de porco. FOTO: Alex Silva/Estadão

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Quem contou essa história foi o literato e militar latino Marco Terenzio Varrone (116 a.C.–27 a.C.). “Os soldados romanos conheceram um embutido denominado lucania das mãos dos lucanos”, escreveu ele. Não por acaso, de 1932 a 1947 a Basilicata foi chamada de Lucânia. Até hoje há ali um embutido de porco chamado lucanica.

A linguiça de Bragança começou a ser produzida comercialmente no início do século passado. Para alguns, d. Palmira Boldrini iniciou a venda, em 1911, na Praça José Bonifácio. Segundo outros, quem fez isso foi o bragantino Octávio Pedrosa Lente, ex-soldado da Força Expedicionária Brasileira na 2ª Guerra Mundial.

Quando participava da campanha da Itália, o pracinha supostamente conheceu a linguiça calabresa. Voltando à terra natal, apelou a um casal de italianos para adaptar a receita aos ingredientes locais. Ele vendia seu embutido em um bar ao lado da Igreja do Rosário, herdado dos pais.

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Deve-se atribuir a origem da linguiça de Bragança, porém, aos imigrantes italianos que se instalaram na região, vindos da Basilicata, Calábria, Apúlia, Campânia e Sicília.

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Quanto a sua fama, espalhou-se no Estado graças aos paulistanos que iam passear na cidade ou compravam sítios por ali entre as décadas de 1950 e 60. Atraídos pelas benesses da natureza – Bragança é uma das 12 estâncias climáticas paulistas –, descobriam a linguiça e a levavam para a metrópole.

A receita original bragantina continua a ser preparada por 12 fabricantes locais, com tripa e pernil suíno, condimentos e sal. Entretanto, há variações com azeitona, bacon, ervas finas, vinho, alho, provolone ou pimenta picante. Também se inova no consumo. Uma das formas habituais de comer a linguiça é colocá-la no meio do pão, inteira ou cortada em rodelas ou pedaços. No prato, pode acompanhar a polenta mole ou frita, rechear pimentão, alcachofra, etc. Se Bragança não tiver a melhor linguiça do Brasil, pelo menos pode ser considerada sua capital.

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 26/6/2014

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