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Degustar nem sempre é preciso

Por Pete WellsThe New York Times 

Degustar nem sempre é precisoFoto:

Quando fechei o menu do Bouley e já ia pedir, o garçom adiantou-se: “O que vamos preparar para o senhor esta noite?” A pergunta sugeria, agradavelmente, que a cozinha teria prazer em me atender. Pulemos para outra refeição (não vou dizer onde). O cardápio tinha menus degustação de vários tamanhos. Quando escolhi um, com 12 tempos, a US$ 245, o comentário do garçom foi um “ok, vamos a ele”.

Enquanto o garçom do Bouley me convidava para uma aventura, seu colega do “outro” me reduzia a engrenagem de uma máquina em que a minha função seria comer. Não que todos os menus degustação sejam assim. Mas frente a uma maratona de pratos escolhidos pelo restaurante, eu quase sempre me sinto enganado e desamparado.

Atera. ‘Churro’ de rabanete e chocolate com avelã e sal. FOTOS: KARSTEN MORAN/NYT

Nas mãos de um chef que explore bem o formato, um menu degustação pode trazer delícias que uma refeição limitada jamais conteria. Mas outras vezes o consumidor pode se sentir mais como vítima do que conviva. E a prática do só-temos-menu-degustação está se espalhando pelos EUA. Neste ano, dois restaurantes assim surgiram em Nova York, Altera e Blanca, e outros dois, Eleven Madison Park e WD-50, trocaram o à la carte pelo menu-tudo-ou-nada.

Muitos deles vêm sendo incensados pelos críticos (eu inclusive) e pela lista (suspeita, mas influente) dos 50 melhores do mundo da Restaurant Magazine. O recém-publicado Guia Michelin deu três estrelas a três deles, duas a dois e uma a dois outros.

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De extravagância sofisticada, os menus de até quatro horas parecem ter virado o futuro da alta gastronomia. Mas antes que delicatessens comecem a fazer menus de 18 opções de sanduíches de pastrami, é bom perguntar se é esse o futuro que queremos.

Não estou falando do kaiseki ou omakase japonês, com estruturas tradicionais que chefs e clientes respeitam. Falo dos menus mais jovens, soltos, coqueluche de casas como The French Laundry, Per Se, Noma e Alinea. O gênero ainda não tem regras. Um desafio que nenhum chef deveria encarar despreocupadamente. Um restaurante cujo único produto é uma cara refeição pegue-ou-largue estabelece um difícil padrão para si mesmo. E poucos encaram isso com a necessária leveza e agilidade.

“Air baguette” com mousse de marisco “razor clam” e tinta de lula

No Benu (São Francisco), os menus de Corey Lee são de tirar o fôlego no tratamento de sabores asiáticos com sensibilidade americana. Christopher Kostow, do Restaurant at Meadwood (St. Helena, Califórnia), faz menus que se desdobram em meditações sobre a região e a estação do ano. César Ramirez, do Chef’s Table (NY), tem um dom quase sobrenatural com frutos do mar e cria refeições que progridem de bocados tipo sashimi a pratos quentes complexos. Já Matthew Lightner no Atera (NY), prima pela sensibilidade às formas da natureza. O menu degustação atinge o que pode ser seu mais sofisticado formato no Alinea (Chicago), onde Grant Achatz prepara refeições que mais parecem sinfonias, manipulando fatores como complexidade, tempo, volume e harmonia.

Mas em outros casos, a tentativa de atingir esse padrão se perde num esforço vão. Fazer cada prato tão diferente quanto possível do anterior não é só uma oportunidade de o chef mostrar o que sabe: é necessário para manter a atenção do cliente. Num épico jantar no Saison (São Francisco), fiquei abismado como Joshua Skenes arrancava sabores de ingredientes com técnicas antigas como defumação, cura, fermentação, grelha. Mas alguns dos mais de 20 pratos eram repetitivos. Poderia ter saído deslumbrado. Saí confuso.

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Wylie Dufresne tem mantido a consistência desde que abriu o WD-50, em 2003. Mas um recente menu degustação seu mostrou-se consistente com uma falha: quase todos os pratos lembravam tira-gosto e entradas de quando ele ainda os servia no à la carte. Em vez de contar uma história diferente, o WD-50 repete a mesma história. Dufresne é um dos últimos chefs monótonos. Seus pratos são sempre originais, mas a sombra da monotonia paira sobre a refeição.

A falta de estrutura de alguns menus degustação deve-se em parte a falhas de feedback. Um restaurante que serve tira-gosto, entrada e prato principal saca logo qual dos três os clientes preferem. Mas pratos que são consomidos de uma só mordida impedem que o chef saiba o que os clientes acharam – pela leitura das sobras no prato. E um genérico “como estava tudo?” dito a um cliente que acaba de comer 27 pratos é pouco aproveitável.

Jantar em casas de primeira linha nunca vai ser barato. Mas os menus degustação transformaram jantares caros em artigos de luxo. Uma refeição no Chef’s Table sai hoje por US$ 225. No início do ano saía por US$ 135. Todo mundo sabe quanto custa um prato de frango num restaurante da moda em Nova York. Mas e 30 pratos que você ainda não viu? Você não está pagando por 30 pratos. Está comprando o tíquete para um show – o que deixa o restaurante livre para cobrar preços estratosféricos.

É meu trabalho incentivar os leitores a experimentar o melhor. Por isso não me sinto bem ao ver grandes restaurantes que já servem uma clientela de elite ficarem ainda mais fora de alcance. A elite que hoje lota esses salões quer registrar no currículo tantos restaurantes-troféus quando possível. Mas um outro tipo de cliente, o comilão saudável que mapeia as boas comidas na cidade, pode ficar deslocado. Essa é uma das razões por que esses restaurantes podem dar a sensação de menos acolhedores.

Vez ou outra, comi menus tão extraordinários que nenhuma dessas objeções importou. Mas esse formato traz complicações para casas e clientes, a ponto de fazer parar para pensar em quantas dessas refeições precisamos.

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Veja todos os textos publicados na edição de 18/10/12 do Paladar

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