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Bebida

Clássicos combatem seu bom combate

Aproveitei a reedição de pratos clássicos que o chef Raphael Despirite está apresentando no restaurante Marcel para fazer um teste que sonhava há tempos: procurar as melhores combinações de vinhos para as receitas mais tradicionais da cozinha francesa. Despirite refez receitas do avô, eternas comidas de bistrô que foram sumindo por aqui, mas continuam vigentes na França.

Clássicos combatem seu bom combateFoto:

Fui munido de diferentes estilos de vinho: levei um Gewurztraminer alsaciano, um Chablis, um Borgonha tinto, um Bordeaux e um Rhône. Pedi para servirem os cinco ao mesmo tempo e os pratos foram chegando. Harmonização é antes de mais nada uma ótima brincadeira. O pior que pode acontecer é dar errado, e mesmo assim há boa comida e bons vinhos a serem bebidos.

O Gewurz, meu velho favorito Dopff, encantou os companheiros de mesa com seu intenso aroma de lichias e lírios, mas seco e sério na boca. Casou lindamente com as grenouilles à la purée d’ail, as deliciosas coxinhas de rã empanadas com forte aioli. Ponto para vinho e prato. O seguinte, a morue aux lentilles, bom pedaço de bacalhau em que o sal se destaca, derrotou meu Chablis. Descuidei-me da lição de Saul Galvão: bacalhau funciona com branco barricado, e não levei nenhum. Até aí os tintos não tiveram protagonismo, apesar de o delicado Borgonha fazer alguma presença com o bacalhau.

Veio o que considerei melhor prato do jantar, o cassoulet, bem classicão, com confit de pato e embutido. Era a vez dos tintos. O Borgonha foi bem, o Bordeaux não deu certo – os taninos ainda muito durinhos não ajudaram. Mas o Châteuneuf-du-Pape foi a perfeição.

É um pouco melancólico fazer experiências e, no final, ganhar o previsível. Vale tentar mudar, mas o que é consagrado pelos tempos tem lá suas razões de ser. Cassoulet anda bem com os vinhos mais tradicionais de sua região de origem, o centro-sul francês.

O Châteauneuf, predominantemente Grenache com algo de Mourvèdre, grande companheiro para patos, tinha que ser mesmo o melhor. No caso, foi o Domaine Giraud Tradition 2009 (R$ 268, Ravin Importadora, tel.: 5574-5789), com 60% Grenache, 35% Syrah e 5% Mourvèdre, carnudão e cheio de fruta, quase mastigável e com acidez para enfrentar a gordura. Foi o vinho em que houve um silêncio e depois um “uhnn” geral à mesa.

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Em lugar de queijos, o chef propôs um dos tradicionais suflês da casa, o de gruyère, que derrotou os vinhos. Falha minha não ter pensado na hipótese. Talvez um Savagnin do Jura fosse a resposta. E terminei com o riz au lait, que dispensa vinhos, mas que aprovaria um cálice de algum Monbazillac ou Cadillac.

Curiosamente, no balanço da refeição, o Bordeaux foi o que menos se notabilizou, talvez pela ausência de caça ou assado que lhe fizesse companhia. O Borgonha foi bem e os demais muito bem. Com clássicos, bebamos clássicos.

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