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Restaurantes e Bares

Armênia ou árabe? Aqui é paulistárabe

Armênia ou árabe? Aqui é paulistárabeFoto:

Esfihas, quibe e coalhada aparecem em todos os cardápios de restaurantes árabes de São Paulo. E aparecem também em todos os cardápios de restaurantes armênios. Mas, como Armênia não é Arábia, dá vontade de entender porque tanta semelhança à mesa. A geografia dá uma pista: a Armênia está na região do Cáucaso, que conecta parte da Rússia a Irã, Turquia e a algumas nações do Oriente Médio que conhecemos por arábicas. Vem daí a confusão, ou melhor, as semelhanças.

 
 
 
 

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Alguma vez na vida você deve ter tomado um drinque com cerveja. Se esqueceu é porque talvez ele tenha sido bebido naquele momento da empolgação, quando alguém sugeriu fazer um submarino, famoso “embriagador” preparado com a cerveja que está à mão e o Jägermeister da prateleira. Essa história mudou. Coquetéis com cerveja estão na moda e evoluíram da empolgação sem juízo para receitas criadas por barmen mundo afora. 
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 Banquete com clássicos da mesa paulistárabe preparado pela chef Leila Youssef Kuczynski, do Arábia FOTOS: Evelson de Freitas/Estadão

A cozinha armênia recebeu grande influência dos otomanos, assim como Síria e Líbano (leia abaixo). Há menos imigrantes armênios que sírios e libaneses aqui, mas todos deram pitadas na formação da mesa paulistárabe – fruto de adaptações nas receitas que vieram com imigrantes e criações locais.

Os três povos comem muito cordeiro. Mas, em São Paulo, a carne era difícil de ser encontrada e os imigrantes a trocaram pela bovina, mais comum. Stephan Kawijian, chef do Sainte Marie, é filho de armênios nascido no Líbano e passou a infância na Líbia. Quando chegou a São Paulo, 28 anos atrás, estranhou as esfihas servidas na região da Luz – tradicional reduto armênio da cidade. “Não era como eu estava acostumado”, conta. “Naquela época, não se encontrava carne de cordeiro.”

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Enquanto alguns ingredientes faltavam, outros eram abundantes. Hortelã, por exemplo, é encontrada fresca o ano inteiro. “Fora daqui tínhamos de usar a versão em pó”, diz Kawijian. E, se o tempero é o que mata as saudades de casa, consegui-los era vital para os recém-chegados. “Importar condimentos virou negócio e fez surgir casas como o Empório Syrio, no Centro”, diz Samira Adel Osman – que tem sobrenome tipicamente turco, mas é filha de libaneses –, professora da Unifesp especialista em história da Ásia.

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Um desses condimentos é a pimenta síria, ou bahar, combinação em pó de pimenta-da-jamaica, pimenta-do-reino, cravo, canela e noz-moscada. E a presença dessa combinação de condimentos é uma das principais diferenças entre a cozinha sírio-libanesa e a armênia – em que ervas frescas predominam como tempero. “Esfiha armênia não tem cravo nem canela”, diz Jacó Ghazarian, que fabrica artesanalmente o basturma, carne curada típica da Armênia. Porém, no Effendi, que atende os armênios da Luz desde 1973, alguns pratos levam os condimentos. “Uma pitadinha na kafta e no quibe cru”, conta o gerente William dos Santos, que de armênio não tem nada, mas trabalha lá há 26 anos.

Se já é difícil definir o tempero nos pratos que se repetem nas duas cozinhas, em São Paulo, uma cultura influencia a outra e tudo fica mais difuso. Leila Youssef Kuczynski, do Arábia, já serviu em seu restaurante libanês o manti, conjunto armênio de barquinhas de massa recheadas com cordeiro. Ela compreende a dificuldade geral em atingir o consenso sobre as “regras” da comida árabe, já que cada família tem seus próprios costumes. “Existem tantas possibilidades quantas forem as casas”, diz.

Os imigrantes trouxeram a São Paulo as receitas de sua família ou região de origem. “Minha família é de Aintab, onde é comum usar muito alho em quase todos os pratos. Em outras regiões, como Marash, a cebola é priorizada”, diz Myrna Koyoumdjian, criadora do site Culinária Armênia.

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No fim, sírios, armênios e libaneses contribuíram para a criação de especialidades locais – o quibe recheado com requeijão e a esfiha de frango são exemplos. Arábia, Cáucaso? Que nada: é São Paulo. Selecionamos os pratos clássicos dessa mistura paulistárabe e mostramos lugares onde é possível experimentar as delícias.

Clássicos paulistárabes

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Kafta O espetinho é onipresente e há muitos pratos designados por esse nome. Com pequenas variações, como kofta, kufte e koofteh, é possível abranger até pratos feitos com peixe, uma versão do sul da Índia. Na cozinha sírio-libanesa, a kafta tem formato semelhante ao consumido aqui, mas a carne de cordeiro é mais comum, misturada a triguilho. Diferentemente de esfiha e quibe, nos restaurantes paulistárabes é comum encontrar duas versões: bovina e de cordeiro (embora a primeira seja mais usada).

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Quibe Anissa Helou, autora de Lebanese Cuisine, é firme ao escrever sua receita de kibbeh: “Não deixe ninguém convencer você de que fica melhor com carne bovina”. O bolinho é tradicionalmente feito com carne de cordeiro, mas o quibe paulistárabe é de carne de vaca. A versão crua, com triguilho e condimentos, é chamada de kibbeh nayyeh no Levante. Já na Armênia, existe o hunn kibbeh, uma versão crua do quitute que pode ir à mesa em bolinhas de carne (de cordeiro ou bovina).

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Pastas O trio ternura dos paulistárabes é composto por homus, coalhada seca e babaganuche. Chamamos de coalhada, mas o labneh é iogurte com o soro removido por filtragem. Antigamente, era parte da dieta básica de famílias do Líbano. O iogurte, transformado em bolinhas e guardado em potes de azeite, era conservado por meses dessa maneira. Na Armênia, o babaganuche tem uma variação chamada mutabal. Nos paulistárabes, o nome que prevalece é o sírio-libanês.

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Tabule Alegria dos vegetarianos, o tabule é tradicionalmente uma mistura de salsinha, menta e cebola com triguilho – chamado no Levante de burgul – e tomate a gosto. É consumível como salada, por isso sua popularidade ultrapassou a da cozinha paulistárabe. Hoje, é encontrado facilmente até em restaurantes por quilo. No Líbano, existe um Dia Nacional do Tabule, realizado desde 2001 no primeiro sábado de julho. Os armênios têm um prato semelhante chamado each, que pode ser consumido quente ou frio. Como a receita leva purê de tomate e pouca salsinha, o resultado final é avermelhado.

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Esfiha Há duas formas de saber se você está diante de uma esfiha libanesa ou armênia: 1. se ela tiver basturma, é armênia; 2. sem basturma, observe o tempero, se predominarem ervas, é armênia; se predominarem especiarias, é libanesa. O nome sfiha não é o mais usado no Líbano. Esse prato era comum no Vale do Beqaa, origem de boa parte dos imigrantes libaneses em São Paulo. É mais fácil encontrar esfiha aqui do que em Beirute. Outro quitute semelhante é o manakish, que tem o dobro do diâmetro. É parecido com o missahatz, campeão entre as donas de casa armênias. A versão fechada se chama fatayer no Líbano.

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Pães Chamamos aqui de pão sírio, ou de pita, aquele pão chato que se abre em duas folhas. Porém, o nome geralmente usado é khobz – pão comum, em árabe. Companheiro ideal para pastas e tabule, ele é essencial na salada levantina fatouche (veja a receita de Leila Youssef). Já o pão folha, que é feito sobre um forno convexo, também é encontrado em restaurantes mais tradicionais. Os restaurantes armênios costumam usar o pão sírio, mas em seu país de origem o pão de cada dia é o achatado lavash. Folhas e mais folhas do pão seco – feito apenas com farinha, água e sal – podem ser guardadas por meses e, depois, amaciadas com um pouco de água.

Cada cozinha com seu tempero

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Árabe Para Alan Davidson, no The Oxford Companion for Food, “cozinha árabe” é um termo abrangente demais. Sob ele está a mesa de países do norte africano, como Tunísia, Argélia e Egito, a do Oriente Médio e a de comunidades na Turquia ou no oeste da China. Como é de se esperar, nesses milhares de quilômetros há muita variação. De um país para outro muita coisa muda, mas o autor cita traços que se repetem: proteínas são muito consumidas na forma de grão-de-bico e lentilha, mas a principal fonte são os laticínios; o leite não costuma ser consumido fresco – é quase sempre transformado em iogurte ou queijo; por causa da população islâmica, a carne de porco é raramente consumida; e a campeã é a carne de cordeiro. Já as diferenças são marcadas por três ondas de influência: Irã, que influencia a região do Iraque; Espanha mourisca, que une elementos islâmicos, cristãos e judaicos; e Império Otomano.

Sírio-libanesaOs dois países têm raízes semelhantes: ambos pertencem à região do Levante, à margem leste do Mediterrâneo. A culinária levantina é a junção de costumes mediterrâneos e asiáticos. Juntos, os países sofreram invasões de egípcios, persas, gregos, romanos e otomanos. Durante esses períodos de sítio, a comunhão gastronômica foi grande. A mesa sírio-libanesa é farta e é repleta de tahine, azeitonas, nozes, frango, água de rosas e de flor de laranjeira, iogurte, ervas frescas, servidos quase em forma de banquete. Em geral, libaneses usam menos gordura e têm quantidade maior de pratos vegetarianos – herança dos jejuns de quaresma dos cristãos maronitas.

Armênia Junto a seus vizinhos caucasianos, Geórgia e Azerbaijão, os armênios gostam de iogurte, berinjela, cordeiro e pão. E têm enorme preferência pelo trigo – na forma de triguilho, ou burgul, ingrediente obrigatório de tabules e quibes. O cardápio também é forte em ervas. E se existe um ingrediente que identifica um restaurante armênio paulistano imediatamente, ele é o basturma (pronuncia-se bastârmá). A carne curada com uma crosta de especiarias pode ser consumida como aperitivo em fatias finíssimas – a regra é atingir uma espessura que torne o produto translúcido. É preciso salgar a alcatra por três dias para remover os líquidos. Depois, pendurar a peça e cobri-la com um véu. A brisa noturna de três ou quatro dias se encarrega de secar o futuro basturma. É adicionada uma mistura de chemen, ou feno-grego, pó amarelado que é um dos componentes do curry, alho triturado, cominho, pimenta-do-reino e colorau vermelho. Tudo vira um creme bem denso, que é espalhado pela peça. Depois, três dias na geladeira e mais três dias pendurado. Os resíduos de tempero que se soltarem naturalmente devem ser descartados, mas nada de arrancar o resto. Basturma que é basturma tem casquinha de tempero e deve ser mantido assim.

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 31/7/2014

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