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Comida

A comida do caubói brasileiro

Conheça a cozinha pantaneira

A comida do caubói brasileiroFoto:

Rodas de tereré ao cair da tarde, chipas nas vitrines de padarias, panelões de mandioca cozida esperando o churrasco ficar pronto… Não é preciso visitar o Pantanal para conhecer a cozinha pantaneira. Seus pratos rústicos e substanciosos estão muito presentes também nas capitais dos Estados que compreendem a região, Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT).

A cozinha pantaneira gira em torno da pecuária. Não apenas da carne, mas da alimentação de quem lida com a criação de gado, que está entre as principais atividades econômicas na região desde o século 18, quando o boi mais comum ali era o cuiabano, adaptado às variações climáticas da região e com casco duro perfeito para andar em terras inundadas. As comitivas cruzavam o Pantanal levando rebanhos e durante a travessia precisavam de uma alimentação reforçada e fácil de preparar em trânsito.

Vêm daí o quebra-torto – café da manhã que mais parece almoço farto –, o bolo de arroz, feito em latinhas improvisadas, a carne soleada para aguentar alguns dias sem refrigeração, a linguiça de maracaju, feita de carne bovina.

Como o Pantanal é extenso – é um pouco maior do que o Estado do Ceará – a cultura alimentar não é uniforme. Em algumas regiões do norte, consome-se mais peixe. No sul, a carne prevalece na mesa.

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FOTOS: Felipe Rau/Estadão

De manhã, Quebra-torto

Os peões saem de madrugada e passam o dia fora, ou viajam nas comitivas. Por isso, o café da manhã pantaneiro é reforçado. Chamado quebra-torto, é uma das maiores tradições locais. A primeira refeição do dia tem arroz carreteiro e macarrão de comitiva, que leva espaguete furado frito em banha e acompanhado de carne soleada. Um italiano enlouqueceria ao ver o preparo: o macarrão é quebrado em vários pedaços antes de ir para a panela. Para acompanhar, mandioca, farofa de banana e paçoca salgada, com carne seca, cebola e farinha de mandioca, batidas em um pilão.

 

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 Quebra-torto pantaneiro: tipico café da manhã pantaneiro, composto de macarrão de comitiva, paçoca de carne seca, chipa e mate queimado.

De sobremesa, bolo de fubá, canjica, bolinho de chuva e bolo de arroz, doce enformado de arroz, manteiga e queijo. Para beber, mate queimado, que vai para a brasa antes de levar água, ser coado e servido. O nome quebra-torto tem significado disputado: “Tem gente que diz que é porque conserta o estômago torto de fome”, diz Lidia Aguilar Leite, pesquisadora da gastronomia local. “Também é porque quem tem fome fica torto na hora de montar o cavalo.”

Da linguiça ao pranchão

A importância da pecuária para a região pantaneira fica clara à mesa: a maior parte das receitas da região vem dos hábitos das comitivas que transportavam o gado. Churrasco marca os dias de festa e até a linguiça é de carne bovina – a linguiça de maracaju. Para acompanhar, mandioca cozida. Solear e orear, os métodos de conservação usados nessas viagens, permaneceram.

 

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A carne soleada é similar à carne de sol, mas dura menos – no máximo três dias. O corte mais comum é o coxão duro, conhecido como pranchão soleado. “É porque a peça fica parecendo uma prancha de madeira quando preparamos”, diz João Batista de Vasconcellos, que serve pranchão soleado há três décadas em Corumbá. A carne fica um dia no sereno e dois tomando sol pela manhã. Já a carne oreada fica sempre à sombra, protegida por mosquiteiro. O corte mais comum, nesse caso, é o cupim.

Para lá da fronteira

Da fronteira com Bolívia e Paraguai vêm alguns clássicos da comida da região. A chipa paraguaia é o pão de queijo pantaneiro. Ela tem forma de ferradura ou argola e, em alguns casos, leva erva-doce. Também do Paraguai vêm o tereré – mate gelado consumido sem parar em rodas de conversa durante a tarde – e a sopa paraguaia, que não é uma sopa, mas sim um bolo de fubá e queijo. Mas quem faz garante que para ficar boa tem de usar o fubá do milho saboró, que vem do Paraguai, tem espiga mais gordinha e grãos mais macios.

 

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Da Bolívia, chegou a saltenha, pastel assado e recheado. “Dizem que uma argentina nascida em Salta levou essa tradição para a Bolívia”, conta Sônia Ramirez, boliviana que vende suas saltenhas caseiras em Corumbá. “As pessoas diziam que eram as empanadas da salteña. Com o tempo, virou salteña.”

Filé de jacaré 

Na terra, é bem difícil ser atacado por um jacaré. O bicho tem pouca visão periférica: para chamar sua atenção, é preciso passar bem perto de seu focinho. Mas se isso acontecer, é ferimento na certa: são 78 dentes pontiagudos. O jacaré-do-pantanal (Caiman yacare) é elemento comum na paisagem pantaneira.

 

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Hábito antigo é caçar o animal e cortar sua cauda para consumo. O rabo, cortado em filés, pode ser frito ou cozido. Hoje, a caça do jacaré é proibida. Existem, porém, iniciativas para criar o animal em cativeiro e vender sua pele e carne. Uma delas é a Caimasul.

Os proprietários, Willer e Weber Girardi, estimam possuir 100 mil animais na sede da empresa, a 34 km do centro de Corumbá. “Em quatro ou cinco anos, queremos ter cerca de 240 mil deles e abater 100 mil por ano”, afirma Willer. E não se consome mais só o rabo: todo o corpo do jacaré pode ser consumido, inclusive cortes como lombo e coxas.

Nicola: o queijo

Nicola é nome do queijo típico do Pantanal. Ele lembra o queijo cacio cavallo, pois seca pendurado, mas é menor e mais delgado. Ele é feito com leite de gado cuiabano. O leite é usado cru e dividido em duas porções: uma leva fermento lácteo para virar iogurte, enquanto a outra é aquecida em um tacho. A mistura tem o soro removido e descansa até chegar ao “ponto do nicola” – textura parecida com mussarela derretida. É a hora ideal para moldá-lo e jogá-lo em salmoura por três horas.

 

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O nicola pode ser consumido fresco e é azedinho. Mas o melhor é deixá-lo pendurado para maturar por até 15 dias. “Aí ele cria casca e vai ficando mais parecido com provolone”, diz a produtora Terezinha Mesquita.

Pacu, pintado e dourado

Água sobe, água desce e o peixe é uma das principais formas de alimentação do pantaneiro. O caldo de piranha, peixe abundante, encontrado em qualquer corixo (é assim que eles chamam riozinho), leva a carne do peixe batida, cebola, tomate e pimentão. Fica espesso e tem sabor forte. Mas não se encontra peixe fresco no Pantanal o ano todo. De novembro ao fim de fevereiro, a região entra no período de defeso. Nessa época de cheia acontece a piracema, os peixes nadam rio acima para a reprodução. Apesar dos ribeirinhos poderem pescar para comer, é proibido vender o peixe. Os restaurantes e peixarias precisam declarar a quantidade de carne congelada que possuem para a fiscalização.

* A repórter viajou a convite da Secretaria de Turismo do Pantanal de Corumbá

 

 

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 3/10/2015

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