PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Um blog de futebol-arte

Quem abre a caixa-preta? *

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Ah, como fomos inocentes... Chegamos a pensar que a vergonha histórica e eterna diante da Alemanha, aqueles fatídicos 7 a 1, seriam compensados por uma profunda reforma do futebol brasileiro. Quanta ingenuidade!

PUBLICIDADE

Descidos ao fundo do poço da humilhação, goleados em casa, diante do nosso povo, lamberíamos as feridas com o bálsamo do realismo e passaríamos, por fim, a atacar as ancestrais mazelas de uma estrutura carcomida. Exatamente essa estrutura que levou à profunda queda de qualidade dos nossos torneios domésticos e atingiu a própria seleção, que jamais em seus 100 anos de história havia sofrido catástrofe semelhante.

Qual nada! Escudados na fria determinação dos que defendem acima de tudo sua parcela de poder, os dirigentes da CBF oferecem agora aos brasileiros o mais trivial dos remédios para combater a doença grave do seu futebol: Gilmar Rinaldi na coordenação geral das seleções e Dunga como técnico da seleção principal. Com o perdão do lugar-comum, seria cômico se não fosse trágico. Uma aspirina para quem necessita de uma intervenção drástica.

Mas, olhando pela luz fria da razão, percebe-se uma sinistra lógica nessas escolhas. Trata-se de reforçar as teses consolatórias para justificar a goleada e isolá-la do conjunto do futebol brasileiro. Para Felipão, foi uma pane. Algo momentâneo e, no final das contas, inexplicável. Um ato da natureza como um raio em dia de céu claro. Seis minutos de apagão e pronto: estava consumada a tragédia. Demitidos Felipão e equipe, Marin e Del Nero aperfeiçoaram a tese e encontraram novo responsável - foi simplesmente um erro tático do treinador, coisa que pode acontecer com qualquer um, mesmo com um campeão do mundo. Quer dizer, Felipão jogou a conta nas costas do jogadores, já que o apagão foi deles. Os dirigentes apoiaram-se nos ombros do treinador, ao definir a tragédia como fruto de um "erro tático".

Tudo teria sido apenas circunstancial. Erro dos jogadores, equívoco do técnico, excessos emocionais não contornados a tempo. Nada de tão grave. E, sobretudo, nada a ser relacionado com uma estrutura carcomida que, esta sim, é geradora da falha trágica do nosso futebol: o fato de ser conivente com um modelo extrativista e exportador, que vive da venda do artista e assim rebaixa a qualidade do espetáculo. Que se apropriou de um bem cultural público - a seleção brasileira - e o explora da maneira a mais voraz e mercantilista possível, sem qualquer restrição. Que não se atualiza com a evolução do futebol, pois entende que a tradição de um pentacampeão mundial é suficiente para garantir o favoritismo em qualquer competição.

Publicidade

Desse modo, nada na escolha dos nomes deveria sinalizar para alguma alteração radical do status quo. Gilmar e Dunga apenas corrigem rumos de uma rota já previamente traçada e que não deve ser alterada. São agentes da continuidade, e não da ruptura. Funcionam na preservação de um modelo dado como vencedor, apesar de ter sido humilhado por Alemanha e Holanda, na sequência, tendo tomado dez gols (!) em dois jogos e feito apenas um.

Bem, ao invés de tomar essas sovas como sintomas de algo que vai muito mal, a CBF, defensivamente, trata de colocar distância entre ela e esse revés. Os jogadores já voltaram aos seus clubes e a comissão técnica foi defenestrada - do técnico ao médico. Enfim, os culpados já foram localizados e a agora é bola para a frente, porque estamos e sempre estivemos no caminho certo, embora tenha havido alguns desvios. Não por nossa culpa, é claro. É dessa maneira que pensa a cúpula da CBF e é desse jeito que desejam que o resto do país acredite. Mas a quem pensam que enganam?

Entendo que o dever de todos nós, neste momento, seja recolocar algumas questões básicas em pauta. Uma delas: com que direito uma entidade privatiza e faz mal uso de um bem cultural do país, e que veste suas cores e símbolos nacionais? Como se conformar com um modelo gerencial ultrapassado e que usa a cooptação das federações para se perpetuar no poder? Quem vai, enfim, ter a coragem e o poder de abrir a caixa-preta dessa entidade?

* Coluna publicada na seção de Esportes do Estadão

Você pode comentar esta e outras colunas em meus perfis nas redes sociais: Facebook (Luiz Zanin) e Twitter (@lzanin)

Publicidade

 

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.