Desconfio que não haverá. Não existem mais narradores como Nelson Rodrigues, Paulo Perdigão e outros. Não teremos desse dia fatídico senão o recurso da nossa memória e das nossas dores. Não tiraremos da queda as conclusões trágicas, como a de Perdigão, estudioso de Sartre, que dizia: o Brasil pode ganhar quantas Copas quiser, mas jamais ganhará a Copa do Mundo de 1950. Irremediável, o dia em que, segundo ele, menino na ocasião, deixou de crer em Deus. Nelson nos deu a noção pouco consolatória do Complexo de Vira-latas, um dado da estrutura do ser brasileiro. Esse complexo que, quando supomos vencido, reaparece, insidioso, como um vírus mutante e resistente.
Estará ele de volta, após as catástrofes seguidas da seleção diante da Alemanha e da Holanda? Não sei. Mas não consigo vê-lo, pelo menos a olho nu. Pelo que vi, ouvi, li e entendi houve dor, perplexidade, revolta mas nada que lembrasse a depressão nacional, a melancolia profunda que teria envolvido o país em 1950. Me pergunto também se a tal deprê, o bode geral foi tão grande assim ou foi amplificado pela narrativa. Enfim, em 2014 não foi assim. Apesar da tristeza, da humilhação, do ódio aos dirigentes, logo começaram a surgir as anedotas, a autoironia, essa gozação a si mesmo que é, talvez, uma das melhores qualidades do brasileiro.
A melancolia não pensa. De modo que, livres da paralisia da dor, podemos nos concentrar nas causas reais de tamanha hecatombe. Não somos obrigados a nos iludir com os "seis minutos de apagão", de que fala Scolari, quando tomamos quatro gols seguidos. Não precisamos nos iludir com a demissão do técnico, como se a CBF lavasse as mãos e dissesse que nada tem a ver com isso. Não precisamos nos impressionar com a lamentação dos dirigentes de clubes, como se também eles não fossem parte do problema. E nem mesmo com a gritaria da mídia que, em boa parte, é conivente, ufanista e acrítica. Enfim, há toda uma parcela de responsabilidade que cabe a cada um. E é melhor que cada um a assuma de vez.
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