Esse "segredo de polichinelo" serve para desmontar parte da retórica antiamericana no Oriente Médio. O mundo muçulmano, que acusa a política externa americana de ser "anti-islâmica" por causa do Irã, terá então de hostilizar também a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, além do Egito e do Paquistão, se quiser ser coerente. Ademais, os países árabes costumam censurar Israel por considerar o Irã como a principal ameaça à estabilidade regional. Diante de declarações como a de Abdullah, fica claro que tudo isso não passa de hipocrisia dos governos árabes, tanto externa quanto interna.
Outro aspecto importante de todo o vazamento diz respeito à natureza dos documentos. A título de crítica à administração dos EUA, há quem diga que, "numa democracia, as pessoas têm o direito de saber o que seu governo está fazendo de fato". É verdade, mas, em diplomacia, nem tudo pode se tornar público.
É ingênuo supor que os EUA pudessem ou devessem ser mais transparentes que, por exemplo, o Brasil, cuja diplomacia também é, em alguma medida, mantida em sigilo. Neste ano, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que estipula prazos para a desclassificação de documentos secretos brasileiros. A maior resistência ao projeto foi do Itamaraty - há papeis que permanecerão indefinidamente secretos porque tratam de política externa e cuja publicidade pode comprometer os esforços diplomáticos do Brasil.
Assim, o vazamento dos documentos pelo WikiLeaks não pode ser ignorado - é material jornalístico e histórico de grande valor; ao mesmo tempo, porém, há situações que pertencem aos corredores da diplomacia, com seus códigos próprios. Fazer considerações morais anti-EUA a partir de documentos que foram produzidos para permanecer secretos é tentador, mas talvez seja apressado. É melhor esperar o vazamento de documentos da diplomacia de outros países - digamos China, Rússia, Venezuela, Cuba ou Irã - para comparar.