Sakineh, ou a sordidez eleitoreira de Lula

O presidente Lula ainda não sabe o que fazer com a influência internacional que supõe ter, a julgar pelas suas reações no caso da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani. Pior: confirmou a sensação de que cada gesto seu é fruto de cálculo político, e não de convicção moral.

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Primeiro, ele se negou a aderir à campanha que busca impedir a morte de Sakineh por apedrejamento - ela foi condenada no Irã por suposto "adultério". Argumentou que um presidente brasileiro não pode interceder em favor de condenados no Irã, a não ser que esses condenados sejam brasileiros ou de um terceiro país. Desconsiderando-se o fato de que Lula é aliado do regime dos aiatolás e que já justificou inclusive a perseguição aos dissidentes políticos iranianos, o argumento do presidente é correto. Não se tem notícia, por exemplo, de que o presidente dos EUA, Barack Obama, tenha aderido a qualquer campanha por Sakineh. Com seu jeito deselegante e confuso, Lula criticou a condenação da iraniana, mas considerou que interceder em seu favor seria "avacalhação".

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Em época de eleição, porém, tal declaração obviamente ganhou repercussão negativa. Por essa razão, Lula tentou mostrar que está sensibilizado pelo caso de Sakineh e que agora quer ajudá-la. Ele tocou no assunto neste sábado, durante comício em Curitiba, e o que se viu foi uma série de gafes, distorções e tentativas patéticas de reverter um episódio que lhe pareceu desfavorável.

Em primeiro lugar, Lula escolheu um comício eleitoral para fazer suas considerações, o que dá a dimensão da seriedade com que ele está tratando o caso. Se a diplomacia brasileira é "silenciosa", como se gabam Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia, o que dizer desse arroubo lulista em cima de um palanque?

Em segundo lugar, Lula, mais uma vez, parece demonstrar imensa insensibilidade para o sofrimento dos prisioneiros de regimes despóticos e violadores de direitos humanos que agora são parceiros comerciais e políticos do Brasil. Ao se referir a Sakineh, Lula declarou que, "se essa mulher está causando incômodo" ao Irã, ele a ajudaria. "Causando incômodo"? Sakineh foi condenada sob a acusação de ter traído o marido. Não teve direito a ampla defesa e seu julgamento foi um claro exemplo do estado deplorável da Justiça iraniana dirigida por fanáticos religiosos. Sem falar da sentença - ela morrerá sentido dores indescritíveis, apedrejada num ritual macabro de "justiça". Seu caso não causa nenhum "incômodo" aos aiatolás; causa "incômodo", sim, à consciência e aos valores morais e humanitários universais.

Lula, porém, parece ter levado seu pragmatismo cínico ao ápice da desumanidade. Em Cuba, comparou os presos políticos a bandidos comuns; agora, quando resolveu falar do caso de Sakineh, foi para tentar atrair dividendos políticos. No palanque, ao lado de Dilma Rousseff, ele discursou: "Já que minha candidata é uma mulher, eu queria fazer um apelo ao meu amigo Ahmadinejad, ao líder supremo do Irã e ao governo do Irã". Ora, se o candidato de Lula fosse homem, então ele não interviria? E o que o fato de seu candidato ser uma mulher tem a ver com Sakineh e seu sofrimento? A única resposta possível a essas perguntas é: Lula está simplesmente tentando capitalizar o hediondo caso iraniano a favor de sua candidata. Nem mais, nem menos.

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É sórdido demais.

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