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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|mostarda, ketchup e a crise da narrativa

Atualização:

Mostarda ou ketchup?

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O caderno Paladar fez um test-eat do hot-dog ideal. Ganhou o conjunto baguete da Padaria Aracaju, com salsicha tipo Frankfurter Berna e mostarda dijon Maille.

Molho? Apenas mostarda, segundo os especialistas. Como um viciado, concordei: xô maionese, batata palha, repolho, molho de tomate, ovo e sabe-se lá o que mais enfiam.

Decidi seguir a receita. De fato, é uma combinação perfeita. Porém, numa noite fria, olhei meu ketchup destronado há dias na mesma gaveta da geladeira. Virou o Strauss-Kahn dos molhos; antes todo-poderoso, agora desprezado.

Enquanto uma nova leva de salsichas ia pra panela, tuitei: "Hot-dog com mostarda ou ketchup?" Era um teste. Queria checar a repercussão de uma banalidade. Será que alguém vai se dar o trabalho de responder?

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Três minutos. A água ferveu. Apaguei o fogo. Olhei no Twitter. Dezenas de sugestões. E olha que não sou humorista de TV, que tem um número grande de seguidores. A maioria votara pela junção dos dois molhos, nesta ferramenta que um amigo definiu: "É como a porta de um banheiro."

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Comediantes de stand-up fazem a festa no Twitter. Os 140 caracteres são ideais para a piada de um tiro só. Mas às vezes se lambuzam.

Rafinha Bastos, o cara mais influente do microblog, segundo uma esquisita pesquisa, escreveu nesta semana: "Acabei de acordar minha mulher com um peido."

Mas muitos aprenderam a explorá-lo, como Rita Lee, que, além de dar conselhos, publica minicontos m três partes:

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"Breafast story. Para o touro o significado de bullying (tourando) era injusto. O toureiro é que o perseguia com aquela roupinha de boiolinha."

"Non sense story. A vida da mulher cortina era t?o tranquila, que merecia um atestado de óbito. Ficava ela na sua janela espiando o universo."

"Arte Moderna: 'Ah, eu poderia ter feito isso'. É, mas você não fez."

Aqueles que escrevem "bom dia amigos" ou "tchau vou dormir" têm o sono metódico mas a vida na rede curta. A não ser que um fã precise desesperadamente saber a hora em que o ídolo acorda ou dorme.

Aqueles que o utilizam apenas para divulgar a agenda, tipo "aê, galera, amanhã faço show em Jacupiranga", não sabem a arma que tem nas mãos. Esta é apenas a primeira onda do tsunami. O que vem por aí? Imprevisível.

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O usuário interage com seu seguidor, e vice-versa. Postei há uns dias: "USP terá pelotão com PMs estudantes. O ladrão chega, e o tira flagra: 'Perdeu, ser político, a sociedade civil é pressuposição do Estado!'"

Logo recebi de Eduardo Nunes: "Ao invés de revólveres, os PMs estudantes portarão volumes de Vigiar e Punir."

Daniel F sugeriu outra abordagem: "Cala a boca se não te encho de porrada! O monopólio da violência é do Estado!"

O usuário pode também seguir as agências de notícia em todas as línguas, praticar idiomas, se manter bem informado, ler dicas de escritores e protestar.

A ideia que parecia uma idiotice revelou ser capaz de se transformar na mídia mais rápida e de maior alcance. Junto com o FaceBook, está criada a ferramenta ideal para se detonarem revoluções.

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Já se vê o resultado a olho nu nos países árabes. Na Espanha, um movimento que reivindica de tudo, até o fim das leis que restringem download pirata, une os jovens.

Por aqui, surtiu efeito a mobilização da Gente Diferenciada. O Metrô voltou atrás e questionou o pedido de parte dos moradores de Higienópolis. Sem contar a adesão às Marcha da Maconha e da Liberdade.

Aliás, tuitei que já sentia falta das marchas aos sábados. Afinal, São Paulo não tem praia.

Logo me responderam que teve sábado em São Paulo a SlutWalk, Marcha das Vagabas- movimento inspirado num protesto de Toronto, depois que um policial disse numa universidade que as mulheres devem evitar se vestir como "vagabundas", para não se tornarem vítimas de abuso sexual.

Convocada pelo Face, será mais divertida que a da Liberdade de sábado passado?

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Foi nela que vislumbrei a revolução em que vivemos, quando um estudante me perguntou sobre papel da imprensa, que desdenha os movimentos sociais dos jovens. "A imprensa agora são vocês", respondi.

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O que foi dissipado? O controle da informação. O que mudará o mundo? O acesso livre a ela.

Começou com o Napster, ideia de Shawn Fanning: programa que compartilha arquivos diretamente dos computadores dos usuários, como os em MP3.

Vieram Lime Wire, My Space, The Pirata Bay, UTorrent, 4Share e uma infinidade de meios de troca de arquivos gerida pelos próprios usuários.

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Músicas, filmes, fotos e livros estão na rede.

O Face se torna a mídia dos amigos. É como se um canal de TV e a redação de uma revista fossem editados pela sua turma pessoal. Ela indica o que você deve ouvir, ver, ler. Seleciona os melhores clipes e textos. E, o mais surpreendente, você é capaz de selecionar quem o seleciona. Custo? Zero.

Alcir Pécora afirmou num texto publicado no Globo que "o campo literário se encontra hoje numa situação de crise, observável pela relativa perda da capacidade cultural da literatura de se mostrar relevante."

"Acho que o que está acontecendo é muito mais do que uma crise de bons autores: é como se a literatura, entendida como ficcionalização autônoma, estivesse esvaziada."

Talvez seja o centésimo acadêmico a reclamar dos impasses da literatura de hoje. Lembra o tom apocalíptico do grande Walter Benjamin, que decretou o fim da narrativa quando Guimarães Rosa, Garcia Marquez, Cortázar, Salinger, Philip Roth e toda a literatura beat nem fora digitada, digo datilografada.

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Um dos efeitos da pirataria cultural é que mudará o panorama da indústria. O escritor de bestseller não se sentirá mais atraído por escrever algo que certamente cairá na rede gratuitamente.

A arte deixará de ser um business. Restarão os que acreditam na literatura como missão e estarão pouco se lixando para os relatórios trimestrais de suas editoras. O mesmo com a música e o cinema.

Será uma Renascença cultural?

O artista não visará ao público, nem se utilizará das regras e truques da narrativa palatável com concessões. Os amadores e oportunistas sairão do mercado, já que ele não trará rendimentos.

As atenções dos escritores estarão voltadas para o seu exorcismo, não para o bolso.

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Talvez os acadêmicos e críticos insatisfeitos encontrem então algo relevante para ler.

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E no CCBB do RIO DE JANEIRO, eu e o mestre DOMINGOS DE OLIVEIRA debateremos a comédia e o humor no cinema.

Amanhã, terça, 18h30.

Com mediação do crítico de cinema Pedro Butcher, o evento terá a exibição de cenas dos longas "Malu de Bicicleta"  e "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais".

Entrada franca.

Está vendo, também passo a agenda.

Aliás, um grande abraço à minha querida e saudosa Jacupiranga.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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