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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Allons enfants...

Atualização:

 

Meu sobrinho PATRICK, francês, 19 anos, estudante de CIÊNCIA POLÍTICA, considerado o questionador-sábio da família, costuma passar as férias no Brasil.

Me disse algo na semana passada que me deixou envergonhado.

Que uma das coisas que mais o incomodam quando ele vem é a instituição "empregada", que existe ainda em poucos países e resiste às transformações sócio-políticas.

Perguntei se ele se sentia invadido pela cidadã que entra no seu quarto, arruma as suas coisas, limpa, dobra suas roupas, tem acesso à sua intimidade.

Nada disso, ele respondeu.

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Incomoda alguém numa posição de submissão quase absoluta convivendo com a rotina da família, mas que ao mesmo tempo almoça em outra mesa, realiza tarefas duras, mete a mão onde não ousamos.

O deprime ver pela casa a desigualdade ampliada.

Lembrei-me de um almoço em PARIS no começo do ano, em que o garçom que me serviu, minutos depois, se sentou na mesa ao lado, pois acabara o seu turno, e comeu da mesma comida e bebeu do mesmo vinho.

Lembrei-me de um amigo carioca que, na semana passada, destratou um garçom de um restaurante simples, simpático, em que vão os amigos, e de que sou freguês, aqui da região central de SP, pois pedira uma comida e só foi avisado dez minutos depois que não tinha o tal prato.

O amigo deu uma dura no cara.

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O humilhou na nossa frente.

Praguejou.

Dei uma dura no amigo.

Se você estivesse na FRANÇA, receberia uma "casserolada" na cabeça.

E pedi desculpas ao garçom pelo amigo insensível.

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Então...

Li a matéria de James Cimino, que saiu sexta-feira na FOLHA DE S. PAULO.

Revela um Brasil que dá vergonha.

Ou uma São Paulo que teima.

Moradores de Higienópolis se mobilizam contra uma estação de metrô, Estação Angélica, da futura Linha 6 - Laranja, a ser construída no bairro. Fazem um abaixo-assinado para impedir a sua construção, que "descaracterizaria" o bairro.

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O abaixo-assinado, elaborado pela Associação Defenda Higienópolis e está em condomínios do bairro, alega que a estação pode virar um atrativo para camelôs.

A psicóloga Guiomar Ferreira, 55, que trabalha e mora no bairro há 25 anos, diz para a reportagem por que é contrária à obra:

"Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada..."

O Metrô diz que o local da estação Angélica não está definido e alega que o traçado da linha foi planejado com base na pesquisa Origem -Destino de 2007.

"Sobre a preocupação de que a região seja invadida por torcidas, o Metrô diz que o acesso do público ao estádio do Pacaembu será diluído em quatro estações do sistema: Clínicas (Linha 2 - Verde), Paulista (Linha 4 - Amarela), Cardoso de Almeida e Angélica (Linha 6 - Laranja)."

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No entanto, Thiago Rodrigues, 22, proprietário de um restaurante na rua Sergipe, retruca: "Eu sou corintiano, mas sei que os corintianos mais radicais vão descer a Angélica quebrando tudo em dia de jogo."

Moro a uma quadra do metrô.

Aliás, me mudei para cá por causa dele.

Sou usuário e, feliz, chego em minutos em locais que, dependendo do horário, levaria horas.

E vou imaginando o congestionamento acima.

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Lendo.

Não há camelôs nem mendigos ao redor da estação.

E mesmo se houvesse, e daí?

Os cumprimentaria com educação.

Desejaria boa sorte.

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Daria 1 cigarro, se me pedissem.

E vou ao PACAEMBU eventualmente de metrô.

Não saio quebrando tudo.

Nem eu nem os amigos.

Estamos mais interessados em pegar um bom lugar e torcer, imaginando a escalação do Professor.

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Aliás, quem vai ao estádio hoje em dia é a classe média.

O ingresso de uma arquibancada está 80 pratas.

Vão famílias, muitas mulheres, playboyzada.

Aliás, na estação CONSOLAÇÃO, onde desço pelo elevador de deficientes, num canto de uma praça, costumam dormir mendigos aconchegados pelo calor que sobe dos respiradores do metrô.

São educadíssimos.

Alguns dormem em frente à porta.

Tenho que acordá-los.

Nunca reclamam, apesar de tirá-los de um sono tranquilo.

Ao contrário, se desculpam.

Por vezes, papeio com eles.

São sempre atenciosos.

São cidadãos.

E pena que neste País acomodado, a revolução não chegou como uma ruptura.

Não houve um processo revolucionário republicano.

Houve um golpe que tirou a Monarquia do poder.

Um levante de generais vindos da Guerra do Paraguai.

GETÚLIO, com todas as suas contradições, e uma vocação a DITADOR, tentou.

Da pior maneira.

Mas vieram outros golpes, de uma elite relutante com tanques e fuzis nas mãos.

 

 Foto: Estadão

 

E haverá o cidadão e o quase.

Até quando...

 

 Foto: Estadão
Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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