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Jornalismo, educação, tecnologia e as combinações disso tudo

Opinião|O fim dos jornais

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 Foto: Estadão

Há alguns dias, enquanto almoçava com colegas, a decisão da Folha de S.Paulo de restringir, desde o dia 21 de junho, o conteúdo de seu site a assinantes virou assunto. As opiniões eram praticamente unânimes: a novidade representaria um enorme erro, fruto de falta de visão e desespero pela incapacidade de se adaptar às mudanças do mercado, e os resultados seriam negativos. Na verdade, o tom dos comentários chegava a ser jocoso: "quanto vão ganhar com isso, mil reais?"

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Argumentei que os colegas da Barão de Limeira estava seguindo uma tendência internacional chamada "paywall poroso", popularizada pelo The New York Times -que, aliás, vem colhendo frutos interessantes, aumentando consideravelmente a sua base de assinantes digitais e até mesmo do impresso. Mas isso só serviu para aumentar ainda mais a chacota: "é muita pretensão querer se comparar ao The New York Times, que diferenciais eles têm para querer cobrar algo?"

Essa conversa agregou vários pontos que há muito discuto aqui. É um fato que as pessoas só pagam por aquilo em que veem valor. "Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do 'mundo B', ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede", afirmou a própria ombudsman da Folha, Suzana Singer, na sua coluna do dia 24 de junho.

Os jornais estão em posição cada vez mais desfavorável nesse cenário: as tiragens e as receitas dos grandes títulos minguam, sendo substituídas por jornais gratuitos e por outras fontes de informação, mais notadamente a digital. E os colegas acima trabalham justamente em portais. Ironicamente, muita da informação oferecida por esses sites -assim como em redes sociais- vêm desses mesmos jornais. E produzir conteúdo custa e, dessa forma, precisa ser remunerado.

Cobrar de quem vê valor

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A Folha reproduziu aqui um dos maiores acertos do NYT: a grande maioria dos usuários do site nem perceberá a existência do paywall, pois eles supostamente consomem menos notícias por mês que o necessário para disparar o mecanismo de cobrança (40, no caso da Folha). Dessa forma, a novidade não afugentaria usuários, mantendo os ganhos com publicidade. Paga apenas quem ultrapassam esse limite, o que, em tese, indica que a pessoa vê valor no produto, justificando assim a cobrança.

Mas as pessoas não querem mais pagar. Não vem de hoje e os culpados por esse conceito são os próprios jornais, que fomentaram isso em nome de construir uma presença online desde meados da década de 1990. Como também escreveu Suzana, "acostumados a se informar de graça na rede e incomodados com um monte de anúncios que saltitam sobre a tela, (as pessoas) não entendem por que devem colocar a mão no bolso."

Nessa insustentável e aparentemente insolúvel contradição pode residir a saída para essa indústria, crítica para uma sociedade livre. Em setembro de 2010, conduzi um estudo e concluí que, de todos os custos de um grande jornal, apenas 20% se refere, de uma forma ou de outra, ao jornalismo em si, entrando, nessa contabilidade, os salários, equipamentos, suporte a reportagem e o que mais fosse necessário à produção de conteúdo. Os outros 80% vão para comprar papel, manter a gráfica, distribuir os impressos e manter a enorme infraestrutura dessas empresas.

Oras, o que as pessoas efetivamente consomem está nesses 20%. Colocando de outra maneira, é possível continuar fazendo jornalismo com a mesma qualidade gastando apenas vinte de cada cem reais investidos hoje. Claro que essa é uma visão propositalmente simplista, pois as agências publicitárias não querem depositar nas operações digitais dos jornais o que (ainda) colocam em seus impressos. Mas, se a fatia do impresso está diminuindo no bolo publicitário, então esse dinheiro está indo para outro lugar.

"Perderam o barco"

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Está indo para jornais gratuitos e mídia digital. A televisão continua nadando de braçada com uma folgada liderança, mas sem mudanças significativas para mais ou para menos em seu share. Rádio e mídia externa consolidaram-se na rabeira. A briga séria está no "pelotão intermediário", justamente onde está o impresso -jornais e revistas- e o digital.

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O impresso vem se sustentando com a ajuda dos jornais gratuitos, como o Metro e o Destak, que puxam as métricas -leitores, tiragem e receita publicitária- para cima, mascarando a queda dos grandes títulos. E a mídia digital, no melhor estilo "de grão em grão, a galinha enche o papo", aumenta continuamente o seu share, com anúncios infinitos a preços irrisórios.

Sobre meu post "O incômodo charme dos agregadores", Rodrigo Mesquita, responsável pela Agência Estado ser o que é, e membro da família proprietária do Estadão com uma excelente visão do casamento da mídia com as TIC, comentou no Google+: "Não dá mais tempo, meu caro. Os jornais perderam o barco. Vão ficar com um papel residual."

A possível solução para o dilema da mídia exige, portanto, abandonar o modelo de negócios que conhecem tão bem. A mídia impressa precisa entender que o papel era apenas um veículo para entregar o conteúdo que produzia. Não apenas não é mais necessário, como se tornou obstáculo a sua sobrevivência. E não me refiro apenas aos altos custos associados a ele, mas também porque engessa o produto em um formato autocontido, unificado e finito, que não encontra mais espaço hoje.

Descentralização

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"Nada foi feito em direção a nada na grande maioria dos jornais", afirmou Mesquita, que concluiu: "caminhamos para uma nova sociedade, que terá uma nova forma de interagir e articular seus interesses, de uma forma muito menos centralizada que a do tempo da indústria."

As casas editoriais aprenderam o discurso de que são produtoras de conteúdo, que deve ser entregue da forma que o usuário quiser. Mas o discurso não combina com seus atos, que buscam resgatar o velho "jornalão", esse sim entregue em todas as plataformas, em que o usuário assina tudo ou nada. Tem que levar o caderno de cultura e o de esportes, mesmo que queira apenas ler o de economia.

A Folha deu o primeiro passo para romper esse pensamento tacanho e antiquado, imitando o paywall do NYT. Mas isso não liberta ainda o usuário fiel do conceito de assinatura (ele pode ser fiel sem ser assinante). Nisso, os portais, a indústria de games e, mais recentemente, as lojas de aplicativos mobile estão muito à frente, com formatos de distribuição -e remuneração- completamente pulverizados, fragmentados, "indolores" e sob demanda.

Trata-se de um mundo com ganhos mínimos multiplicados em milhões de microtransações, que transformam definitivamente qualquer conteúdo em serviço. Os players acima aprenderam essa lição e, mesmo que muitos deles não tenham as receitas dos grandes jornais, ostentam operações mais saudáveis e até mais lucrativas. Afinal as suas despesas são muito menores e eles possuem muito mais consumidores que os jornais.

Não é de se admirar, portanto, que empresas de tecnologia liderem hoje os ganhos publicitários e já tenham até se tornado gigantescas -e inovadoras- produtoras de conteúdo. Felizmente o eventual fim dos jornais não significará o fim do jornalismo. Apenas de empresas que se recusaram a se adaptar a uma nova ordem econômica e social, mediada pela tecnologia.

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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