Eis aí o enredo básico de O Último Amor de Mr. Morgan, de Sandra Nettelbeck, trama que, a princípio, não parece muito convidativa, a não ser que se diga que Matthew Morgan, o octogenário professor de filosofia aposentado, é interpretado pelo grande Michael Caine. Pauline, a professora, é vivida pela simpática e atraente Clémence Poésy. Matthew tem seu isolamento aumentado pelo fato de nã ofalar francês. Sua mulher, agora morta, era quem lhe servia de intérprete. Por isso nunca quis aprender o idioma do país onde passou a viver. A professora de dança, obviamente, tem inglês fluente, embora ele não deixe de corrigir alguns dos seus deslizes com a língua de Shakespeare.
O filme tira partido desse relacionamento tão assimétrico por conta da idade quando encantador pela personalidade dos envolvidos. Não é jamais apelativo, ou mesmo óbvio. Morgan não posa de velho lobo aposentado que, agora sozinho da vida, passa a dar seus uivos para a Lua. Claro que a presença da jovem Pauline é tão prazero quanto desestabilizadora. Parece ao homem velho uma espécie de delicioso abismo que se abre sob seus pés.
Já o interesse dela não fica tão claro. Mas é possível, e até mesmo provável, que Matthew Morgan lhe pareça uma espécie de "figura paterna" - esse inesgotável clichê psicanalítico com um século de bons serviços prestados aos roteiros cinematográficos menos imaginativos.
O fato é que essa situação toda, já em si muito rica e complexa, não parecia suficiente para a diretora alemã Nettelbeck. Assim, ela faz vir dos Estados Unidos a Paris um casal de filhos do velho Matthew, ambos, Miles (Justin Kirk) e Karen (Gilliam Anderson), particularmente desagradáveis. Ela em especial, para dizer a verdade. Miles está se separando da esposa e Karen é uma dondoca deslumbrada, aquele tipo fútil que se torna perigosa pela ambição. Parecem meio indóceis ao pressentir que a herança futura (Morgan tem propriedades) pode ficar comprometida pela aventura outonal do pai.
Mas, mesmo aí, o subtema se bifurca ao enveredar pelos problemas de relacionamento entre Morgan e o filho, bastante distantes entre si. Eles têm contas a acertar, débitos antigos a saldar, que não se resolvem com facilidade, mas que terão de ser colocados sobre a mesa e debatidos de alguma forma. Não necessariamente a melhor.
São temas demais, que minam um pouco a força das belas imagens - Paris, depois St. Malo, na Riviera Francesa, com uma fotografia inspirada. Nesse aspecto visual, nada parece banal em O Último Amor de Mr. Morgan. Mesmo na tão filmada capital francesa. O jogo de luz e sombras, os ambientes, os jardins parisienses - tudo cria uma atmosfera em que a desolação convive com a esperança, e os personagens se inclinam ora para uma ora para outra.
Esse drama sobre a solidão, o amor e a amizade pareceria melhor não fosse por algumas soluções fáceis e em aparência artificiais. Mas não lhe falta dignidade e nem mesmo alguns momentos intensos, embora a diretora, obviamente, prefira trabalhar com tons discretos, tanto nas situações como nos diálogos e fotografia. Tudo é um tanto outonal, ou mesmo invernal, nessa fábula amorosa da terceira idade. E, nesse mundo cinzento, ou sombrio e um tanto mesquinho, há o contraste desse raio de luz que se chama Pauline. Caine, sempre ele, interpreta à perfeição esse ser melancólico que, no entanto, sabe como acolher esse raio de sol e por ele deixa-se iluminar.