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Opinião|O futebol em A Falecida, de Leon Hirszman

A adaptação de A Falecida teve história acidentada, como se pode conferir nos depoimentos dos participantes do projeto, em especial o produtor Joffre Rodrigues e o roteirista Eduardo Coutinho. A história está também contada na biografia de Nelson Rodrigues, O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro.

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Atualização:

A ideia inicial era filmar Senhora dos Afogados, tendo Glauber Rocha na direção. Glauber, que acabara de lançar Deus e o Diabo na Terra do Sol, topou, sem conhecer a peça. Depois de ler, achou que não era texto para ele e passou o projeto adiante. Foi o produtor Luiz Carlos Barreto quem avisou a Joffre que havia dois talentos disponíveis na praça - Eduardo Coutinho e Leon Hirszman. Coutinho ficaria com o roteiro e Hirszman na direção. Mas a peça que preferiam era A Falecida. Leon havia lido Senhora dos Afogados e não tinha vontade de filmar aquela "história mística", como se lê no livro É Bom Falar, série de entrevistas editadas por Carlos Augusto Calil e Arnaldo Lourençato. Preferia A Falecida, de corte mais realista. Joffre topou e assim se fez.

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Hirszman via que a história de Zulmira tinha uma vertente psicanalítica (a obsessão de Zulmira) mas era também social. A história, quer Nelson tenha pensado nisso ou não, ia além da dimensão pessoal dos personagens e apontava para o drama coletivo. Essa mescla de elementos era o que interessava ao cineasta.

E também o fascinava a vida no subúrbio, a cultura popular, com a forte presença do futebol. É curioso como sempre que os diretores do Cinema Novo trataram o futebol foram acusados de não amar de verdade esse esporte e abordá-lo para ilustrar o aspecto da alienação. Como se o amor pelo esporte não pudesse conviver com o senso crítico. Essas críticas foram endereçadas aos hoje clássicos Garrincha - Alegria do Povo, de Joaquim Pedro de Andrade, e Os Subterrâneos do Futebol, de Maurice Capovilla. E, claro, não faltaram para A Falecida.

No entanto, o filme mostra o futebol com a real dimensão que ele tem para o povo brasileiro, presença constante na vida dos indivíduos e no tecido social. Logo no começo, quando as primeiras imagens pintam na tela, lê-se um letreiro avisando que aquela história é "do tempo em que Ademir era Pelé". Ademir de Menezes, o "Queixada", titular da seleção brasileira de 1950 e, quando a história é narrada, centroavante do Vasco da Gama, o time de Toninho, personagem de Ivan Cândido.

A informação é fundamental para entender uma das cenas principais. Zulmira está na cama, já às portas da morte, vítima de sua própria obsessão, quando Toninho entra, de cabeça baixa, preocupado. "O que você tem?", pergunta. "Acho que Ademir não joga...", responde o marido. "Quem é Ademir?", pergunta Zulmira. Toninho não acredita no que ouve. Como pode alguém no mundo ser tão... alienado a ponto de não saber quem é Ademir Menezes?

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Toninho não se vê como alienado porque busca no futebol a válvula de escape para suas frustrações. Alienados são os outros, alienada é Zulmira que, segundo o marido, dorme tranquila e sem preocupações, porque não liga para o futebol. Não falta humor a essa radical inversão de perspectivas.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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