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Opinião|João Carlos Sampaio, o crítico feliz

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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Amigo não deveria ter direito de morrer.

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Mas o João, o crítico João Carlos Sampaio, não levou isso em conta e nos deixou nesta madrugada.

Acho que, à esta altura do campeonato, todos os amigos comuns já sabem. Ele estava aqui no Recife, fazendo a cobertura do Cine PE, sentiu-se mal, foi levado às pressas ao hospital, mas nada pôde ser feito. Coração. Aos 44 anos! O João tinha um coração enorme, como sabiam seus inumeráveis amigos e amigas. O que ninguém sabia é que esse mesmo coração iria nos pregar essa peça.

João era um convívio de longos anos, em especial durante os festivais de cinema. Sempre alegre, feliz, matreiro, de uma inteligência refinada, uma ironia sem agressividade. Minha mulher disse tudo: nunca vi o João triste. Nem eu. Se tristezas tinha, guardava-as para si. As alegrias, dividia com todos.

Conversávamos muito, de cinema e futebol, nossos assuntos do coração (olha ele aí de novo...). Ele falando do seu Vitória, eu, do meu Santos. Ele me levou para conhecer o Barradão, numa fantástica tarde de domingo em que o Vitória derrotou o Flamengo. Fomos, Rô e eu, com Thomaz Farkas e sua mulher, Marly, não sem antes passarmos pelo restaurante da Dadá e comermos uma moqueca. Me cobrava uma visita à Vila Belmiro. Não deu tempo, irmão.

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Nessa hora, me vêm à mente coisas assim, momentos felizes e descontraídos que passamos.

Mas é claro que, quando a ficha cair, teremos de lembrar do João excelente crítico, e, mais que isso, um verdadeiro animador cultural da área cinematográfica da Bahia. Sei, pelo Facebook, e por mensagens de amigos comuns, que a Bahia está desolada. Não tem ainda ideia da perda que sofreu. João tinha uma atividade de destaque no jornal A Tarde, mas não se limitava ao trabalho jornalístico. Participava da curadoria de festivais, de filmes, chegou a trabalhar como ator em alguns deles, e gostava da reflexão sobre o cinema. Em setembro, a seu convite, estive em Salvador para uma homenagem a Carlos Reichenbach. Estivemos na mesma mesa, debatendo o legado do Carlão, outro querido que nos deixou.

Teremos também de lembrar a participação fundamental do João na criação da nossa Abraccine, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Ele é sócio-fundador da entidade e fez parte da primeira diretoria. Não tenho nenhuma dúvida em dizer que foi e é figura fundamental para nossa entidade. Sem a sua presença, diplomática e politicamente inteligente, a Abraccine não teria a expansão rápida e consolidada que acabou tendo em poucos anos de existência.

Esse era o João que trabalhava como um remador de Ben-Hur em sua área, mas, como ele dizia, baianamente, "não gostava de ostentar". Adorava tanto o que fazia que evitava tirar férias. Se consolo existe, é este: o João se foi durante um festival de cinema, ele que amava tanto os festivais.

Saravá, meu nêgo. Fique em paz.

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 Foto: Estadão
Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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