De fato, Heleno de Freitas foi o precursor de todos os nossos bad boys contemporâneos, jogadores que atraem os holofotes em boates da moda, cercados de belas mulheres e de aproveitadores. Heleno teve disso tudo, numa época em que o mundo das celebridades era ainda incipiente e os paparazzi não existiam - ou pelo menos não tinham esse nome, celebrizado pelo personagem do fotógrafo de A Doce Vida, de Federico Fellini, em 1960.
Heleno é prévio a esse nosso mundo contemporâneo e sua trajetória o antecipa. Faz parte de outra época, mas que se liga à nossa. Um tempo em que se podia contrair sífilis e morrer da doença, louco, como aconteceu com ele, aos 39 anos, pobre e esquecido em um hospício de Barbacena. Isso depois de haver encantado os torcedores do Botafogo e do Vasco, ter jogado no Boca Júniors e no Atlético de Barranquilla, na Colômbia. Depois de ter pontificado na boate Vogue e no Copacabana Palace, e de ser visto na companhia das mulheres mais belas da noite carioca dos anos 1940. Heleno, uma figura da belle époque, é também o nosso personagem futebolístico mais trágico, mais ainda que Mané Garrincha que, pelo menos, viveu alguns anos a mais que Heleno e conquistou duas Copas do Mundo.
Outro tempo. Ok. Mas se você trocar o nome de Heleno pelo de outras celebridades da nossa época, se mudar um pouco os cenários e penteados, poderá ver um comentário atual sobre a fragilidade dos ídolos e o caráter fugaz da fama e da fortuna. Essa tragédia existencial não poderia ficar melhor do que no preto e branco magnífico fotografado por Walter Carvalho a pedido do diretor José Henrique Fonseca. Tudo faz sentido nesse filme: da atuação impecável de Rodrigo Santoro no papel título à de coadjuvantes inesquecíveis como Maurício Tizumba, no papel de enfermeiro do ex-jogador. Sim, em parte, Heleno é sobre o drama do futebol. Mas é mais sobre a fragilidade da vida, e da vaidade humana.
(Caderno 2)