Na África ficavam as últimas colônias de Portugal, derradeiro suspiro de um sonho imperial desfeito nos anos 70. É na relação conflituosa entre ex-metrópole e ex-colônia, uma proximidade ao mesmo tempo estranha e familiar, que a trama se insere.
Na África, à guisa de prólogo, começa essa espécie de fábula com a presença de um explorador. Algo lá é colocado para imergir o público num registro fabular, a ser adotado em graus diversos nas várias etapas dessa narrativa. O preto e branco da fotografia lhe empresta um ar retrô, o que só reforça o estranhamento do mundo abordado. Há, em convívio, um tempo africano e um tempo europeu.
Por que, em seguida, salta-se para Lisboa, na época atual, quando vemos uma senhora de idade, talvez já um tanto esclerosada, vivendo em companhia de outra senhora, negra, alusão aos tempos africanos. A filha, como ficamos sabendo, mora no exterior, no Canadá. A mulher se chama Aurora, e temos aí duplicada a associação a Murnau, que rodou com esse título o filme considerado um dos mais belos de todos os tempos, ainda na fase muda e já trabalhando nos Estados Unidos.
Aurora, a velha senhora, é viciada em cassinos e perde seu dinheiro em casas de jogo. Doente, é atendida por algumas pessoas e, em seu delírio, murmura o nome de Ventura. Esse nome próprio será a chave de entrada para outra dimensão da narrativa, que nos leva de volta à África. Nela, teremos Aurora jovem e casada, morando numa das colônias africanas e convivendo com empregados e um jovem aventureiro que dela se aproxima.
A narrativa é toda feita em off, por alguém que conheceu intimamente Aurora nesta fase da vida. O ambiente, aqui, é o das tramas coloniais, a convivência europeia com os nativos. Uma promiscuidade cultural, com a presença de um certo racionalismo com o ambiente mágico africano. A certa altura, para reforçar o clima, um dos personagens diz que o que está sendo narrado não é bem a realidade, mas uma fábula. Nesse belo filme sobre a decadência, vemos ecos também de outras reflexões europeias sobre a experiência colonial. As de Marguerite Duras em Barreira contra o Pacífico e O Amante, a de Claire Denis em White Material, Ou a de um português ilustre como Manoel de Oliveira em Non, a Vã Glória de Mandar.
Não se sai impune dessa experiência, é o que todas essas obras afirmam, de diferentes maneiras. E é isso - o passado colonial português como trauma - que entra pelas bordas nessa história um tanto melodramática e infiltra-se na vida dos personagens como um sutil veneno. Sem antídoto.