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Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário da Mostra 2011: Irmãs Jamais, anatomia da família Bellocchio

É preciso primeiro entender o projeto de Irmãs Jamais (Sorelle Mai). Marco Bellocchio conduziu durante dez anos uma oficina de cinema na cidade em que cresceu, Bobbio, região de Piacenza, chamada Fare Cinema. Os episódios rodados em caráter experimental, em princípio autônomos, foram ganhando o formato de um todo orgânico.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

São protagonizados por várias pessoas da família do próprio diretor. Sua filha, Elena, é filmada dos cinco aos treze anos de idade. O filho mais velho do diretor, Pier Giorgio Bellocchio, interpreta o tio de Elena. E duas de suas irmãs (Letizia e Maria Luisa Bellocchio) fazem as tias de Elena, que com elas vive enquanto a mãe (Donatella Finocchiaro) tenta uma carreira de atriz em Milão. Entre as cenas de Irmãs Jamais insinuam-se imagens em preto e branco. Convém identificá-las: pertencem ao pungente I Pugni in Tasca, longa de estreia de Bellocchio e descrição de um ambiente doméstico em estado crítico.

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Os filmes, o antigo e o atual, comentam-se entre si. Mas Bellocchio diz que Irmãs Jamais não é apenas um álbum de recordações da infância, visão nostálgica de um tempo perdido. É mais. É uma ficção, que se vale de personagens reais, muitas vezes interpretando papeis similares aos que vivem ou viveram na realidade.

Por exemplo, as tias solteironas, pilares da família. "Quis homenagear essas mulheres que ficaram dando sustentação à casa enquanto nós ganhávamos o mundo e íamos nos realizar", diz o diretor. E, de fato, na ficção/documentário, elas estão lá, firmes, preservando o patrimônio da família, sua precária estabilidade, seus usos e tradições. Não por acaso, quando o filme começa, elas estão ampliando o túmulo da família para que nele caiba "todo mundo", no futuro. São elas também que darão respaldo às aspirações artísticas da mãe de Elena e às aventuras comerciais malsucedidas de Pier Giorgio.

No rol de atores profissionais, um dos destaques é Alba Rohrwacher, no papel de uma professora com problemas pessoais que reprova um aluno e depois se arrepende. Ela percebe que, temendo o rompimento com o namorado, não podia dispensar a atenção devida ao magistério. O elo com a família Mai é o fato de morar num quarto alugado na casa das velhas tias e ser amiga de Elena, já então adolescente.

Na montagem desse mosaico pessoal e ficcional vê-se todo o talento de Marco Bellocchio, um dos poucos cineastas italianos em atividade ainda com alcance universal. Em poucos traços, faz com que a pequena Bobbio seja um microcosmo e os dramas da família Mai pareçam próximos a todos nós. Genial.

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(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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