PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|De volta às cavernas *

Amigos, eu gostaria muito de falar aqui da Fernanda Lima, do sorteio dos grupos da Copa do Mundo e também da (em tese) sensacional última rodada do Campeonato Brasileiro, que definiu os infelizes rebaixados e os felizes participantes da Libertadores de 2013. Mas, como todo mundo neste ramo, vejo-me, mais uma vez, forçado a falar em brutalidade, violência e impunidade. Refiro-me, claro, àquela inacreditável batalha campal desencadeada em Joinville, tendo como oponentes "torcedores" do Atlético-PR e Vasco.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Primeiro, um depoimento pessoal. Depois do almoço de domingo, acomodei-me para ver pela TV o desfecho do Brasileirão-2013, campeonato nada brilhante, diga-se de passagem. Tinha certeza de que veria uma rodada eletrizante. Estava assistindo ao jogo entre Atlético e Vasco quando a briga estourou. Acompanhei as imagens durante alguns minutos, incrédulo. Até quando isso vai acontecer, meu Deus?!, pensei comigo. E então veio uma estranha sensação, que me acompanhou até o fim do dia e até agora não me abandonou por completo. Era como se o futebol, em si, tivesse se tornado meio estrangeiro para mim. Algo um tanto distante, que não tinha tanto a ver comigo, apesar de, como tantos brasileiros, eu ter gastado boa parte da vida jogando, assistindo, falando ou torcendo pelo meu time. E agora já há tantos anos escrevendo sobre futebol.

PUBLICIDADE

Vendo aquela truculência toda na tela, era como se a paixão futebolística esfriasse em mim. Será que vale a pena?, me perguntava. Eu, que tantas vezes defendi a rivalidade clubística como o verdadeiro motor do futebol, via agora, diante de mim, em que essa rivalidade podia se transformar quando convertida em ódio irracional, em disputa física, em desejo de aniquilar o adversário. Dentro de campo, o futebol é uma guerra simbólica, mediada por regras e regulamentos que mantêm a disputa justa e garantem a integridade dos jogadores. Sabemos que facilmente o jogo sai do controle e extrapola do simbólico para o real, na forma de uma botinada maldosa, por exemplo, ou mesmo de briga entre os boleiros. Na plateia passa-se o mesmo. Da gozação ao insulto verbal até o desforço físico, tudo é questão de gradação e nuance. O futebol, tanto dentro como fora de campo, é um esporte de temperatura alta, que necessita cuidados para ser mantida abaixo da ebulição. Ainda mais hoje dia, quando, deixemos de hipocrisia, vivemos numa sociedade que cultua a violência, embora diga temê-la.

Mas o que fazem as pessoas que "organizam" o futebol brasileiro para manter essa temperatura do futebol em níveis aceitáveis? Marcam um jogo de risco para um estádio sem policiamento. Agora há o costumeiro jogo de empurra e ninguém quer assumir ou consegue explicar por que havia apenas segurança particular no estádio. Não sabem com o que estão lidando?

O meu pasmo só fez aumentar na segunda-feira, ao notar a reação pífia das autoridades, esportiva e outras, diante dessa enésima guerra entre facções, nos estádios e suas imediações. Os mesmos discursos, que a gente sabe serão esquecidos no dia seguinte, as mesmas desculpas, o mesmíssimo desejo de jogar a culpa nos outros, a impossibilidade de assumir responsabilidades. Ouvi no rádio, estarrecido, entrevista do presidente do Atlético-PR na qual ele lembrava de antiga rusga com o Vasco, de como haviam sido maltratados em São Januário no tempo de Eurico Miranda, etc. Discurso de ódio clubístico, de rivalidade a mais tacanha neste momento grave que atravessa o futebol brasileiro.

Ou seja, dirigentes esportivos e autoridades não estão à altura dos desafios apresentados pelo futebol brasileiro. Um futebol em franca regressão em termos técnicos e assediado, de maneira sistemática, por essa barbárie das arquibancadas contra a qual ninguém move um dedo. Inútil dizer que as cenas de barbárie de domingo foram divulgadas mundo afora, mesmo porque o Brasil, convém lembrar, é sede da próxima Copa do Mundo. O País vem demonstrando uma incapacidade preocupante em lidar com a violência - e não me refiro apenas àquela dos campos de futebol.

Publicidade

 

* Coluna publicada na seção de Esportes do Estadão

 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.