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Opinião|Ah, Paco, você foi cedo demais...

Amanheci com o choque da notícia da morte de Paco de Lucia.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O mais fantástico guitarrista de flamenco se foi com meros 66 anos. Ataque cardíaco, no México, dizem.

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Uma pena infinita. Ouvir Paco tocar, com a técnica e o sentimento que tinha, era uma experiência de contato com o divino. Embora o flamenco, o cante jondo, seja bem enraizado na terra. É a música, canto e dança da sensualidade. Espasmo, prazer e dor. Quem nunca esteve na Andaluzia, ao menos uma vez na vida, não sabe o que é viver. Lembro dos bares em Granada, com seus guitarristas, cantores e dançarinos itinerantes. Ciganos, em sua maioria. Anônimos, cheios, talvez, de defeitos técnicos, mas, ainda assim, fantásticos em sua forma de expressão. Entravam nos bares e restaurantes, e todas as conversas paravam, por respeito. E pelo prazer de vê-los e ouvi-los.

Já Paco era a depuração total dessa grande tradição. A forma levada à perfeição, ou próximo dela.

Espantavam-se de que não dominasse a escrita musical, tocando o que tocava. Ora, ele mesmo explicava: o flamenco vinha de uma grande tradição oral, com ensinamentos passados de uma geração a outra, em conversas e encontros, sem a codificação da partitura. A técnica, o jeito de empunhar a guitarra, a tremenda agilidade da mão esquerda e da mão direita. O sentido de invenção, o humor, o sentimento. Em tudo isso pulsa a Espanha profunda e os mouros, que estiveram na região por sete séculos, creio eu.

Ouve-se, por trás do flamenco, a sintaxe do lamento árabe. E como ela se aplica tão bem, infelizmente, hoje, à notícia dessa morte prematura e, some tudo, irreparável. Porque como Paco no hay dos. Era ele e só ele.

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Para homenagear Paco de Lucia, escolhi não um dos seus solos fantásticos, como em Fuente y Caudal, ou Entre Dos Águas, ou sua interpretação particularíssima do Concierto de Aranjuez, de Joaquim Rodrigo. Escolhi Paco acompanhando e "dialogando", com outro grande, este do cante jondo, que também já se foi, Camarón de la Isla. Voz e cordas são dois instrumentos profundos que se reconhecem, dialogam e produzem um efeito de beleza ímpar.

Se alguém ouvir isto e não tiver um arrepio, é bom ficar preocupado, porque a alma já se foi.

 

 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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