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Cinema, cultura & afins

Opinião|A generosidade de Cakoff

Num momento de comoção, o melhor, talvez, seja manter o foco e reconhecer o quanto a cidade lhe deve. Falo da Mostra de Cinema, é claro, com a qual ele se identifica de maneira perfeita, como o criador se identifica com a criatura. O senhor Mostra. Ou a "Mostra do Cakoff", como a ela muitos de nós se refere, embora saibamos que há muitos anos divide as responsabilidades da direção com sua mulher, Renata Almeida.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Hoje a Mostra se tornou uma coisa grande, gigantesca até, um dos itens mais vistosos do calendário cultural paulistano. Nem sempre foi assim. A Mostra nasceu pequena, subordinada ao MASP, na gestão de Pietro Maria Bardi. Nasceu por iniciativa de um crítico e cinéfilo (nem todos o são) e foi se expandindo. Ao ritmo e segundo a necessidade de uma metrópole que um dia foi definida como "a cidade que não pode parar". Cakoff dizia lutar contra o gigantismo mas a criatura tinha vontade própria e foi tomando conta de espaços e salas de exibição enquanto o número de filmes ia aumentado, na mesma proporção dos frequentadores.

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Chegavam filmes de toda a parte do mundo e, se havia um traço distintivo em Leon era esse: o prazer de trazer algo novo, um cineasta ou filme dos quais ninguém, exceto ele, tinha ouvido falar.

Quem acompanha a Mostra há vários anos guarda alguns desses momentos na memória. Por exemplo, quando fomos apresentados ao até então desconhecido cinema iraniano e a um diretor de nome estranho Abbas Kiarostami - que depois se tornaria referência mundial. Outro que por aqui apareceu foi o armênio Pelechian, com seus filmes estranhos, mágicos, sem palavras, cheios de um ritmo envolvente.

Um português adepto de um cinema literário, Manoel de Oliveira, tornou-se habitué da Mostra, além de amigo pessoal do diretor. Um dos momentos inesquecíveis foi quando Leon proporcionou o encontro entre Oliveira e o grande fotógrafo mexicano Gabriel Figueroa - ambos então já na casa dos 80 e tantos anos de idade. Alguns anos depois, foi o encontro entre o mesmo Oliveira e outro mestre, este do cinema italiano, Ermano Olmi, tendo por local um fantástico Pallazzo veneziano.

Leon gostava de lembrar um americano meio maluquete que aqui esteve para apresentar seu primeiro trabalho em longa-metragem. O gajo era Quentin Tarantino e o filme, Cães de Aluguel, que começaria, pouco tempo depois, a lhe abrir as portas do mercado internacional até culminar com a Palma de Ouro para Pulp Fiction.

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Enfim, momentos que ficam para sempre. Leon tinha orgulho desses episódios. O justo orgulho do desbravador de filmes e pessoas porque sabia que, ao apresentá-los, expandia o horizonte cinéfilo do público. Era a sua modalidade particular da generosidade. Partilhar filmes, dividir descobertas.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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