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O andar do economista bêbado

O último capítulo da convergência de salários entre mulheres e homens

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Por Luciano Sobral
Atualização:

Claudia Goldin, economista de Harvard, dedica parte da sua carreira a estudar o que determina a diferença de salários entre homens e mulheres nos Estados Unidos. No passado não muito distante, a diferença era facilmente explicada pela diferença de produtividade entre os gêneros (fortemente associada ao tempo médio de escolaridade) e pela maioria das mulheres trabalhando em setores tipicamente com baixa remuneração. Ao longo dos últimos 50 anos, o primeiro fator foi praticamente eliminado: em 2006, a própria Goldin e seus coautores mostraram que mulheres eram maioria entre estudantes universitários nos EUA. A convergência em educação contribuiu para que a remuneração média por hora de mulheres passasse de 59% para 77% do equivalente para homens.

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Com o nível de instrução potencial equalizado, passaram a ser mais importantes as diferenças entre salários dentro de um mesmo setor, que persistiram e pediram explicações mais sofisticadas: discriminação, menor disposição de mulheres para competir e padrões mais rigorosos para promoção de mulheres foram algumas que surgiram na literatura econômica desde 1990. Na última reunião da Associação Econômica Americana, Goldin apresentou seu modelo para a persistência das diferenças e o que chamou de "último capítulo da grande convergência de gêneros".

Para ela, o último obstáculo para a equalização de salários tem menos a ver com qualquer característica ligada ao gênero do que com como horas de trabalho são remuneradas em algumas profissões. Se é natural esperar que, ao longo de tempos iguais de carreira, homens tenham remuneração total maior que mulheres (mesmo com ganho igual por hora trabalhada, mulheres passarão, em média, menos tempo no trabalho, ao menos por conta do período em licença-maternidade), é menos intuitivo pensar que isso também influencie a remuneração média por período trabalhado (horas ou dias). No seu novo trabalho, Goldin sugere que, para carreiras como advocacia e administração de negócios, esse seja exatamente o caso.

Para que o número de horas trabalhadas afete também a remuneração por hora, é preciso que a relação entre as duas variáveis seja não-linear, ou seja: horas de trabalho adicionais a uma jornada mínima devem ser melhor remuneradas, e há uma penalidade para descontinuidades ao longo da carreira. Assim, um banqueiro de investimentos que trabalha 80 horas por semana ganha mais do que o dobro que outro na mesma função com uma jornada de 40 horas, e homens, que podem passar décadas sem interrupções na carreira mais longas do que poucas semanas de férias não são penalizados quando voltam ao trabalho. Numa das bases de dados usadas no estudo de Goldin (de MBAs da escola de negócios da Universidade de Chicago) dois terços da penalidade em ganhos por períodos de ausência no trabalho são explicados por qualquer ausência (exceto férias), independente da duração.

Esse efeito ocorre, sobretudo, em atividades onde não é possível alternar o trabalho de forma satisfatória entre profissionais diferentes (seja por dificuldade na transmissão de informação, relação construída com clientes ou qualquer outro motivo). Como contra-exemplo, Goldin cita a carreira de farmacêutico, onde a diferença de remuneração entre homens e mulheres é quase inexistente e a remuneração total é perfeitamente proporcional ao número de horas trabalhadas. A padronização das medicações e a melhora de bases de dados de medicamentos e pacientes faz com que um profissional em férias ou licença seja facilmente substituído por outro com a mesma formação.

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A solução para esse "último capítulo" passa, portanto, por uma flexibilização no modo como as empresas remuneram mão de obra. Se a prescrição é relativamente simples, há muito o que avançar em como criar os incentivos para que tal flexibilização seja implementada, uma vez que teriam a perder os que valorizam pouco tempo fora do trabalho e são vistos como "comprometidos", "dedicados" e, portanto, moralmente merecedores de maiores remunerações. A mudança necessária na escala de valores da sociedade para que o status quo seja alterado é tanto utópica quanto antiga: em ensaios clássicos do início dos anos 1930, Keynes e Bertrand Russell anteviam um futuro de jornadas de trabalho curtas (algo como 3 ou 4 horas por dia) e muito tempo para família, ócio e lazer. Em oitenta e poucos anos, se algo mudou foi na outra direção: mesmo com os enormes ganhos de produtividade, muito maiores do que as previsões mais otimistas do início do século passado, a maioria das atividades segue valorizando longas horas em escritórios ou fábricas e carreiras sem descontinuidades. O último capítulo da convergência deve ser o mais longo e difícil.

 

Este artigo, evidentemente, deve muito ao último paper de Claudia Goldin: http://scholar.harvard.edu/files/goldin/files/grandgenderconvergence.pdf

 

Este artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

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