Visitei a família do Kimi Raikkonen na Finlândia. E foi maravilhoso!

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Por liviooricchio
Atualização:

18/V/08

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Amigos, escrevo já de Menton, na Riviera francesa. Três estações de trem à minha direita, de quem tem o Mediterrâneo na frente, encontra-se Mônaco. À esquerda acha-se a fronteira da Itália. Reputo a região como uma das mais belas do calendário da Fórmula 1.

Foi quase um dia de viagem de Helsinque para cá. Três horas de vôo até Frankfurt, outras três horas de espera da conexão, e uma hora e meia com a Lufthansa para Nice. Do próprio aeroporto sai um ônibus que me deixa aqui em Menton. Num dia como hoje, uma hora de deslocamento. Durante a semana, de uma e meia a duas. Já levei mais porque ele entra nas cidadezinhas, todas, sem exceção, incrivelmente elegantes e bonitas. Não alugo carro neste GP. Por quê? Porque não sou louco. Quer dizer, acho.

Mas estou aqui para falar de outra coisa: minha viagem para a Finlândia. Por mais otimista que eu fosse quanto a ser bem recebido pela família do Kimi Raikkonen eu não poderia supor que me tratariam tão bem. São pessoas da maior simplicidade, sem frescuras, assumem o passado extremamente difícil e não ostantam o presente, como em geral ocorre quando em pouco tempo passa-se a dispor de muito, mas muito dinheiro, a exemplo do Kimi. Faz tempo que ele ganha quase US$ 2 milhões por mês, reside na Suíça e, portanto, contribui aí com algo como 10% apenas de impostos.

Redigi o texto a seguir para a edição de hoje do Estadão e do Jornal da Tarde. É apenas um resumo da extraordinária experiência vivida na Finlândia com, primeiro o Rami, irmão do Kimi, que abriu as portas da casa e recebeu a mim e o Felipe Motta da Jovem Pan como se já nos conhecesse há tempos, os amigos do Kimi, Aki e Kalle, sempre prontos a facilitar nossa vida, propor lugares para conhecer. Qualquer necessidade era só chamá-los pelo celular. O Riku, então, nem se fala. Cuidou de nós como se fosse um agente de viagens. O Riku trabalha com o Kimi.

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E o que não dizer da dona Paula e do Masa, os pais do Kimi. Passei o dia con eles num autódromo bem simples, de pouca segurança, sempre sorridentes, contando coisas do Masa, mais que do Kimi. O belo pastor alemão Axu do Kimi, dentro do box, os amigos do pai. Ah, eu não sabia, descobri lá: o pai do Heikki Kovalainen também disputa a categoria, equivalente a nossa Stock Car Júnior. O Masa dava risada de si próprio ao alisar a barriga e dizer que, daquele jeito, não chegaria à Fórmula 1.

A própria história de superação da família nos leva a refletir que tudo é mesmo possível. Como alguém que ganhava apenas para viver consegue bancar o filho por tantos anos numa competição cara como é o kart por várias temporadas? Só trabalhando de manhã, de tarde e de noite, como fez o Masa, e com todos economizando nas mais distintas frentes.

Mas fiquem tranquilos que o Kimi está retribuindo esse amor todo e no lado material compensando-os como bem poucos fariam. Continuam, os quatro, uma família só. Agora rica, milionária, mas despojados na sua essência, o que nos faz enaltecê-los ainda mais. Leia o texto e comente, combinado?

Livio Oricchio, de Helsinque

Era uma vez um menino loirinho, magro, pobre, que acordou de noite com vontade de fazer xixi. Mas como fazia muito frio no seu país, quase no polo norte, e o banheiro era fora de casa, ele voltou para a cama. Disse a si mesmo que faria de tudo para um dia dar aos pais uma casa onde eles não precisassem mais se deslocar por 30 metros na neve só para fazer xixi. O tempo passou, o menino cresceu, demonstrou raro talento para pilotar carros de corrida, os pais superaram imensas dificuldades financeiras para realizar seu sonho, conseguiu vencer, conquistou um título mundial, ficou rico, famoso e hoje ele e a família podem escolher em qual banheiro da sua imponente residência desejam fazer xixi.

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O que parece ser uma fábula quase singela é, na realidade, a verdadeira história do atual campeão do mundo, Kimi Matias Raikkonen, 28 anos, piloto da Ferrari. "É uma sensação ótima olhar para trás e ver como as coisas mudaram em tão pouco tempo. Meu pai e minha mãe trabalharam muito para que isso fosse possível", diz o piloto, líder do campeonato, repassando no olhar, quase sempre distante, profundo agradecimento aos dois. Tanto que com o primeiro dinheiro que ganhou como piloto comprou o terreno ao lado da sua casa localizada numa linda floresta de pinheiros na periferia de Espoo, na Finlândia, e mandou construir uma nova para a família.

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A casinha verde é onde morava Kimi, o irmão Rami, e os pais. No fundo, na edícola, pintada de vermelho, encontra-se o banheiro.

Masa é seu pai. Profissão: tratorista. Trabalhava na construção e reparo de estradas. Sexta-feira encontrava-se no gelado autódromo de Hameenlinna, 100 quilômetros ao norte de Espoo, apenas três graus de latitude abaixo do Círculo Polar Ártico. Não iria deslocar pedras. Tampouco blocos de gelo. "Estou aqui para correr. Sou piloto também", afirmou rindo, com orgulho, com a simpática esposa Paula, mãe de Kimi, ao lado. E é verdade. Masa sempre quis competir também, mas antes de pensar em si, a prioridade foi o filho. Por isso investiu nele o que ganhava.

"Ele trabalhou em três locais distintos a fim de conseguir dinheiro para o Kimi continuar no kart", lembra Paula. "Eu mexia com os tratores, possuía um táxi e à noite fui recepcionista de restaurante, tirava o casado dos clientes", conta Masa, sem esconder a origem simples que claramente os acompanha até hoje, apesar do patrimônio estimado de US$ 100 milhões daquele menino que era obrigado a conter a vontade de fazer xixi durante a noite. "Todo inverno era a mesma coisa, tínhamos de conseguir o dinheiro que Kimi necessitava quando começassem as corridas. Ficamos em dúvida várias vezes se seria possível continuar", explica a mãe. Kimi correu de kart dos 7 aos 18 anos.

Agora é Kimi quem financia o hobbie do pai de correr. São pequenos protótipos equipados com motor de motorcicleta de 110 cavalos. "Comecei ano passado", diz Masa. Terminou o campeonato que teve entre 40 e 45 pilotos na 13ª colocação. A mãe lembra que em 2007 "quase fica louca". Seu outro filho, Rami, dois anos mais velho que Kimi, também gosta de velocidade e disputou o Campeonato Finlandês de Fórmula 3, sua primeira temporada, e terminou em terceiro. "Teve domingo de os três competirem, que desgaste."

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Paula e Masa no seu motorhome no autódromo e o carro de corrida de Masa

Dona Paula, conta para a gente, o Kimi é com vocês também o Iceman, o homem de gelo, não manifesta emoção nunca? Risos. "Não, não, não. Ele acabou de me ligar. Queria saber do cachorro, o Axu." Um pastor alemão de belo porte. "O Kimi é sempre carinhoso conosco, gentil." E o senhor, Masa, é um piloto frio também? "Claro, eu sou o pai do Iceman." Na pista Masa demonstrou nos treinos livres de sexta-feira ser impetuoso, seu carro vem de lado nas curvas. Não ouviu o repórter comentar com um amigo finlandês: "Aqui não tem essa de filho para pai. O filho domina muito mais a técnica da pilotagem".

Essa destreza levou Kimi à conquista de seu grande sonho ano passado: ser campeão do mundo. "Mudou, sim, nossa vida. Vejo, agora, como isso tinha importância para o Kimi", comenta sua mãe. "Ele é um homem feliz. Ama a Ferrari. Diz que a equipe é como uma família, há coração no que fazem", explica o pai. "Na McLaren meu filho vivia triste. O carro quebrava toda hora", emenda a mãe.

A postura altiva, fria, impassível de Masa diante dos desafios faz com que ele e Paula não assistam às corridas de Kimi juntos. "Não dá. Ela fica nervosa." A vez de Paula: "Se um está na sala o outro tem de ir para o quarto." Domingo irão ver o filho ao vivo nas ruas de Mônaco. Kimi alugou um iate, com vários banheiros, lógico, e ficarão hospedados lá, no porto. Irão acompanhar a corrida do deck superior da embarcação. Kimi não vai dormir no iate. Em 2004, ficou enjoado e bateu nos treinos livres de sexta-feira e sábado. A McLaren o levou para um hotel na marra.

Masa, Paula e Rami garantem não sentir medo de que Kimi sofra algum acidente. "Fico nervosa, mas aprendi a conviver com isso desde o kart." Rami é um fã do irmão. E Kimi dele. Repassou a Rami a tarefa de tomar conta de sua frota de veículos, todos muito especiais. "Kimi contruiu este imenso galpão, aqui ao lado de onde crescemos, para colocar o que tem na Finlândia", conta Rami. "Quando éramos pequenos brigávamos toda hora, agora não mais." O Iceman tem supermotos de Marcus Walz, inúmeras motos modelo cross, das menores às mais sofisticadas, motos de neve, karts, o incrível utilitário Hummer, preto, um Audi 4.2 TDI, branco, dentre outros, além do carro de Fórmula 1 da McLaren que ganhou de Ron Dennis.

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Ainda da área da casa, Kimi construiu um galpão, aqui aparece no fundo, vermelho, para guardar suas máquinas na Finlândia

As motos Walz e o carro da McLaren, no teto

O avô já começou o processo de catequese dos netos. "Tenho dois filhos, Justus, de 3 anos, e Tiitus, 2. Quando o primeiro nasceu, meu pai apareceu no quarto do hospital com um kart de verdade", lembra Rami. O Tiitus ganhou o seu no aniversário de um ano. Hoje os dois meninos, de 3 e 2 anos, já estão andando com karts especiais", falou Rami, impressionado com Masa. "Ele organiza tudo do Kimi, troféus, macacões, capacetes, não temos mais onde colocar as coisas. A velha casinha de madeira, onde tudo começou, agora é uma espécie de almoxarifado das coisas do piloto da Ferrari.

No mezanino do galpão dos carros e motos há um elegante bar. Lá também o pai de Kimi reúne boa parte dos troféus e todos os macacões

A Finlândia é local de férias de Kimi. "Há seis anos moro na Suíça", falou durante o GP da Turquia. "O que ele gosta de fazer aqui é viver como uma pessoa comum, longe de tudo, sem ajuda até da tecnologia. Quando conquistamos o título finlandês de kart, em 1998, e agora, ano passado, no seu mundial de Fórmula 1, fomos para a Lapônia", conta seu amigo e mecânico da época do kart, Kalle Jokinen. "Tenho uma casinha lá. O Kimi foi dirigindo os 800 quilômetros e ao chegar lá tivemos de cortar lenha, sob temperatura de 28 graus abaixo de zero, e esperar umas duras horas até a casa esquentar."

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Desligar da Fórmula 1 parece ser uma necessidade para Kimi. "Nunca falamos disso quando estamos juntos", conta outro amigo, bem-sucedido empresário em Helsinque. "Nos reunimos, cinco, seis amigos, às vezes saio com minha namorada e Kimi com Jenni (sua esposa, ex-miss Finlândia e Escandinávia 2000), não comentamos nada de corridas." Pede anonimato porque a imprensa finlandesa é, segundo disse, sensacionalista com Kimi.

Ele já foi capa de várias publicações, sugerindo estar bêbado. "É normal na Finlândia as pessoas beberem de sexta-feira e sábado. O Kimi não faz nada diferente do que outros da sua idade fazem, diria até menos, mas gostam de explorar isso. Se tivesse problema com bebida, como dizem, não teria sido campeão do mundo de Fórmula 1." A mãe apóia o amigo do filho: "Fazem de uma coisa pequena um drama, mas não nos atingem e nem a ele".

Jokinen relaciona-se com Kimi, atualmente, como fazia quando ainda não sabia se continuaria correndo caso seu pai e sua mãe não ganhassem o dinheiro necessário para a temporada seguinte. "É a mesma pessoa. Esse é o seu ponto forte. Consegue fazer seu talento trabalhar isolado, sem as pressões todas que cercam um piloto." E pensar, como contou, que a trajetória de Kimi na Fórmula 1 começou porque seu empresário, David Robertson, foi cobrar a Renault: "Kimi foi campeão britânico de Fórmula Renault em 2000. Os franceses davam como prêmio um teste com seu carro de Fórmula 1. Mas naquele ano desistiram da iniciativa", explica Jokinen.

"Robertson cobrou a empresa e eles pediram que providenciasse uma equipe. Não seria na Renault. Robertson convenceu Peter Sauber a aceitá-lo." O treino serviria apenas para Kimi saber o que era a Fórmula 1. Nem ele nem Robertson imaginavam o que estava por vir. Aquilo era um prêmio, na realidade, não um teste. "Mas Kimi mostrou-se de cara muito, muito rápido", conta seu ex-mecânico e amigo, sempre presente. Peter Sauber passou a vê-lo de outra forma, não como um piloto, como tantos, que testou seu carro de Fórmula 1.

"Peter Sauber no fim do dia disse que gostaria de vê-lo em outro teste. Kimi foi e, de novo, impressionou pela velocidade e constância. Não errava." Também por coincidência, o suíço não estava contente com seus dois pilotos, Pedro Paulo Diniz e Mika Salo. Havia, portanto, duas vagas em aberto na equipe. Nick Heidfeld, alemão, campeão da Fórmula 3000 e piloto de testes da McLaren, ficou com uma delas. A outra seria uma aposta de risco. "De alto risco", como o próprio Sauber afirmou tempos depois.

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"Outro problema complexo que precisou ser contornado foi que Kimi havia disputado, até então, apenas uma temporada e meia com carros da Fórmula Renault, essa era toda sua experiência", diz Jokinen. "Não queriam dar a superlicença para ele, achavam que ele colocaria em risco os demais pilotos. Keke Rosberg (finlandês também, campeão do mundo de 1982) foi um dos que trabalharam contra Kimi correr de Fórmula 1." A licença foi dada em razão da credibilidade de Peter Sauber. "Tudo podia ter acabado ali e a Fómula 1 deixado de conhecer um grande talento. Mas felizmente as coisas aconteceram", comenta, emocionado, Jokinen.

Em Istambul, há pouco mais de uma semana, o já consagrado Kimi deu uma declaração surpreendente: "Meu contrato com a Ferrari termina no fim de 2009. Não sei o que irá se passar, mas se tiver gostando ainda de correr, como agora, renovo, senão vou ver o que fazer da vida". Kimi, Kimi, está aprendendo italiano? "No, I don't like to study. I see you later, bye (Não, não gosto de estudar. Eu o vejo mais tarde, tchau)."

FIM

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