PUBLICIDADE

Cecotto lembra o caráter difícil de Senna

02/IX/12

Por liviooricchio
Atualização:

Livio Oricchio, de Spa

PUBLICIDADE

Amigos, entrevistei o venezuelano Johnny Cecotto. Na realidade, batemos um longo e gostoso bate-papo. Obviamente veio à tona o tema Ayrton Senna. Redigi um texto sobre essa parte da conversa para a edição deste domingo do Estadão e o coloco no ar no blog agora. Observe que traz apenas a visão de Cecotto sobre os episódios com Senna. Na edição impressa do jornal há alguns números que são incontestáveis da disputa entre os dois nos nove GPs em que estiveram juntos na Toleman, em 1984. Senna vence sempre. Boa leitura. Nesse instante a acabou a corrida da GP2 e vou ouvir os meninos, Felipe Nasr e Luiz Razia. Que belo trabalho de Nasr, segundo. Razia foi colocado para fora pelo inglês James Calado, ótimo piloto, e merece punição. Abraços!

O texto: Parece haver uma relação de cumplicidade. Basta apenas a citação do seletivo circuito Spa-Francorchamps para, de imediato, vir à mente dos que apreciam a Fórmula 1 o nome dos maiores pilotos da história. E dentre eles está, claro, Ayrton Senna, três vezes campeão do mundo e vencedor de cinco corridas na lendária pista belga, onde hoje será disputada a 12.ª etapa do campeonato, liderado por outro grande piloto, Fernando Alonso, da Ferrari.

Mas como foram os primeiros passos de Senna na Fórmula 1, em 1984, na modesta equipe Toleman? Não há ninguém melhor para responder que o seu companheiro na temporada de estreia, o venezuelano Johnny Cecotto, cuja carreira na competição foi interrompida no GP da Grã-Bretanha daquele ano, por causa de grave acidente. Sofreu fraturas múltiplas nas pernas. Cecotto está em Spa para acompanhar a carreira do filho, Johnny Cecotto Junior, de 22 anos, piloto da GP2, a ante-sala da Fórmula 1.

Senna e Cecotto tiveram relação apenas profissional nas nove etapas que correram juntos na Toleman, segundo o venezuelano. "Na realidade, parecia que seríamos amigos, no começo. Viajávamos, íamos aos circuitos juntos até o dia em que fomos testar o único carro da equipe em Donington", lembra.

Publicidade

"A Toleman não tinha estrutura para dois carros iguais, o meu sempre incorporava as soluções anteriores às do Ayrton. A alimentação de combustível do meu motor era mecânica, de 1983, enquanto a dele, eletrônica, a nova." Mais: "Nesse dia, em Donington, eu finalmente poderia testar e em igualdade de condições. Até então a Toleman apenas chamava Ayrton para os treinos particulares", lembra Cecotto, com ar ainda de insatisfação.

"Estabeleci um tempo um pouco melhor que o de Ayrton", afirma, sem mencionar as condições do teste. "A partir desse dia nossa convivência mudou. Ayrton tinha um caráter muito forte, difícil, desejava tudo para si, queria a equipe ao seu redor." Infelizmente Senna não pode responder a Cecotto e até mesmo contestá-lo.

"Mesmo depois desse episódio do teste não tivemos problemas de relacionamento. Lastimo não termos prosseguido como antes, Ayrton se afastou, simplesmente", conta o venezuelano. "Nas reuniões com os engenheiros Ayrton tornou-se mais frio, distante. Passamos a trabalhar para nós mesmos."

Apesar de não afirmar abertamente, Cecotto não esconde certa mágoa com Senna depois de quase ter morrido no acidente de Brands Hatch. "Foi no dia 20 de julho de 1984. A Toleman refez seus carros, eram novos. O meu ficou pronto sexta-feira de manhã, antes do primeiro treino livre. Os mecânicos trabalharam a noite toda e estavam nervosos, cansados", diz.

"Eu saí, dei uma volta, regressei aos boxes. E na sequência comecei meu treino. Completei uma volta e meia apenas. Na saída da curva mais rápida da pista (Westfield Band) alguma coisa quebrou na suspensão e colidi no guard rail". O piloto dá mais detalhes: "O chassi se desintegrou na frente, fiquei sentado no solo, os ossos das pernas estavam destruídos".

Publicidade

Todos os pilotos, segundo Cecotto, foram ao hospital, em Londres, visitá-lo. "Ayrton, não." O companheiro de Toleman nem mesmo lhe telefonou, recorda. "Ayrton e a maioria da equipe me ignoraram. E os médicos ingleses queriam amputar meu pé direito." A esposa de Cecotto, alemã, entrou em contato com um especialista, em Munique, que a orientou transportá-lo num jato para seu hospital. "No dia seguinte à cirurgia na Alemanha eu já podia mover o pé.

PUBLICIDADE

Depois de 20 de julho de 1984 Cecotto nunca mais viu Senna.

O piloto da Venezuela pôde ainda voltar a competir quatro anos mais tarde e fez sucesso com carros de turismo, como já havia feito com grande competência nas motos, antes da Fórmula 1, ao vencer a lenda das pistas, Giacomo Agostini, em 1975, na 350 cc, com Yamaha. Cecotto tornou-se o mais jovem campeão do mundo, com 19 anos.

"Ficou claro para mim desde o início que Ayrton tinha velocidade para crescer muito. Mas sempre tive receio de que algo pudesse lhe acontecer. Ele arriscava muito", explica Cecotto. Quando Senna começou a ganhar corridas em sequência e disputar títulos, o ex-companheiro o acompanhava na TV. "Gostava de vê-lo vencer por saber que merecia, tudo o que conquistou foi por puro mérito."

O ex-piloto de motos, Fórmula 1 e carros de turismo, aos 56 anos, diz ainda sentir dores nas pernas e alguns movimentos nunca mais foram restabelecidos. Mas suas maiores atenções, hoje, se concentram no filho, já autor de duas vitórias, uma pole position na GP2 e com sonhos já de estrear na Fórmula 1. "Tenho outro menino, mais jovem, correndo de kart na Itália. Não os forcei a nada, seguiram meus passos por gostarem de automobilismo", garante Cecotto.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.