Balanço de meia temporada. Quinto capítulo: Mercedes

10/VIII/12

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Por liviooricchio
Atualização:

Livio Oricchio, de São Paulo

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Se você leu o quarto capítulo da nossa série, sobre a Lotus, compreendeu que a organização onde correm Kimi Raikkonen e Romain Grosjean representa, este ano, uma colcha de retalhos. Eric Boullier, diretor da Lotus, e o proprietário, Gerhard Lopez, tiveram de substituir as peças principais do time, como pilotos, direção técnica e esportiva às pressas. Tudo do ano passado para este. E contra a lógica, funcionou. O modelo E20 produzido pelo novo grupo é um grande carro.

A Mercedes também se reestruturou por completo. Mas por uma razão distinta. Na Lotus, vários de seus profissionais deixaram a escuderia quando a Renault a vendeu para o grupo Genii, de quem Lopez é sócio, no fim de 2010, obrigando Boullier a promover o segundo escalão de seus técnicos. Já a Mercedes mudou porque tinha de fazer algo para evoluir, melhorar seu desempenho. Os resultados obtidos desde o retorno à Fórmula 1, em 2010, não eram compatíveis em nada com os elevados investimentos realizados pela poderosa montadora alemã.

Imagine que a Mercedes, nas duas temporadas que disputou na Fórmula 1 em outra era, 1954 e 1955, levou os dois títulos, com Juan Manuel Fangio como piloto. E agora, nos dois primeiros anos, 2010 e 2011, ficou em quarto lugar nas duas ocasiões, com a mesma dupla de pilotos, Michael Schumacher e Nico Rosberg. O desempenho do time foi bastante inferior ao dos melhores. Em 2010 somou 214 pontos diante de 498 da campeã, Red Bull, e em 2011, 165 contra impressionantes 650 da Red Bull.

Penso ser oportuno resgatar uma entrevista que fiz com Jenson Button, no começo de 2010. O inglês era o campeão do mundo. Na temporada anterior conquistou o Mundial pela Brawn GP e seu revolucionário carro equipado com o duplo difusor. Mesmo tendo sido campeão, Button mudou de equipe, foi para a McLaren, deixou a Brawn GP que se transformou, em 2010, em Merc edes.

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O que Button me disse depois da entrevista, naquelas conversas que se seguem, informalmente, relaciona-se diretamente com o momento da Mercedes. Veja que interessante: "Sabia que o time teria um campeonato difícil em 2010. Não mais iriam dispor de um recurso que a diferenciou (duplo difusor)e a estrutura de que dispúnhamos era pequena. A Brawn GP não pode ser comparada, por exemplo, com a McLaren, que agora conheço melhor. E era essa estrutura que a Mercedes iria dispor no primeiro ano", disse Button.

Prosseguiu: "Sabia que eles tinham planos de um grande investimento para reestruturar a equipe, contratar mais profissionais, torná-la maior, como exige a Fórmula 1. Mas isso tudo é um projeto a médio prazo, pelo menos. E eu sou o campeão, quero continuar numa escuderia que me permita lutar pelos primeiros lugares. Foi exclusivamente por essa razão que deixei a Brawn GP, agora Mercedes, para correr aqui (McLaren). Li que era porque eu desejava ganhar mais dinheiro. Não houve nada disso. O motivo é saber que a Mercedes precisaria de tempo para ser um equipe vencedora, diante de assumir uma organização pequena se comparada com as que ganham corridas".

Não há o que discutir, não? Temos aí um diagnóstico preciso feito por quem mais tinha consciência da situação, Button. Mas isso foi lá no começo de 2010 e estamos na segunda metade da temporada de 2012. No ano passado, Ross Brawn, diretor técnico da Mercedes, refez o seu departamento. Contratou Bob Bell, ex-diretor técnico da Renault, Aldo Costa, ex-diretor técnico da Ferrari, e Geoff Willis, ex-diretor técnico da Red Bull.

Esse grupo de engenheiros experientes, junto do responsável pela aerodinâmica da Mercedes até então, John Owen, concebeu o modelo W03 deste ano. Depois de 11 etapas, a Mercedes ocupa a quinta colocação entre os construtores, com 106 pontos, ao passo que a Red Bull, líder, soma 246. Entre os pilotos, Nico Rosberg fez 116 pontos, está em sexto lugar, e Michael Schumacher, 29, apenas em 12.º. O primeiro na classificação é Fernando Alonso, da Ferrari, com 164.

A nota positiva é que este ano a Mercedes conquistou a primeira pole position nessa nova fase na Fórmula 1, iniciada em 2010, e a primeira vitória, ambas com Nico Rosberg no GP da China, terceira etapa do calendário, dia 15 de abril.

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Amigos, vocês não sabem o que está se passando na Mercedes neste momento, férias no meio da temporada. É impressionante! Vale a pena resgatarmos a história da Lotus novamente. Enquanto lá surpreendentemente tudo funcionou, na Mercedes, nem tanto. Haja vista que Ross Brawn foi atrás do segundo homem em aerodinâmica da Lotus, Mike Elliot, que já começou a trabalhar na sua organização.

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Brawn decidiu, também, tomar uma medida inesperada sob todos os pontos de vista. Promoveu John Owen de responsável pela aerodinâmica a diretor técnico. E Geoff Willis? E Aldo Costa? E Bob Bell? Como ficam? É muito cacique para pouco índio. Pelo novo organograma, Brawn é o diretor geral, Owen, diretor técnico, e o recém contratado Mike Elliot assina os projetos aerodinâmicos. Não se sabe o que acontecerá com os três que chegaram no ano passado com títulos nos currículos e salários bem elevados.

Talvez esteja aí o problema. Sabe-se que existe grande pressão na montadora alemã para uma significativa redução nos investimentos na Fórmula 1. Há até quem defenda a paralisação do projeto. Lá em Budapeste ouvi de alemães ser possível a dispensa de algum desses medalhões, Willis, Costa e Bell.

Owen assumir a direção técnica e Elliot a área de aerodinâmica da Mercedes é uma mensagem de a direção da Mercedes não estar nada satisfeita com o desempenho da equipe no campeonato. Na última corrida, ficou evidente suas dificuldades. Rosberg largou em 13.º e recebeu a bandeirada em 10.º, marcou um ponto.

E um combalido Michael Schumacher, ressentindo-se claramente dos desgastes da idade, 43 anos, ao menos para competir no nível de complexidade e exigências da Fórmula 1, experimentou o pior fim de semana desde a volta às pistas, em 2010. Não foi além do 17.º lugar no grid e cometeu toda sorte de equívocos no domingo. Abandonou a 11 voltas do fim, depois de tomar volta de concorrentes. Esse quadro de penúria vivido por Rosberg e Schumacher em Budapeste atingiu ainda mais a direção da Mercedes.

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A base do W03 não é ruim, reconhece o experiente Brawn. "Apesar de nossas dificuldades, este ano, avançamos do ano passado para este. E desenvolvemos uma boa base para conceber o modelo do ano que vem, quando o regulamento será em essência o mesmo desta temporada. Por isso prosseguiremos no desenvolvimento do carro atual por o conhecimento poder ser repassado ao de 2013", diz o inglês, diretor técnico das escuderias dos sete títulos de Schumacher: 1994 e 1995, na Benetton, e 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 na Ferrari.

Penso que o discurso de Brawn não é político. Representa a realidade. Se a Mercedes continuar dispondo das atuais condições faz sentido acreditarmos numa melhor participação em 2013. Quanto as nove corridas que restam este ano, do que vi até agora penso que o panorama não será muito distinto até esse instante. Rosberg e Schumacher podem em alguns circuitos produzir um pouco mais e em outros, menos. Mas dificilmente serão protagonistas do campeonato.

Gostaria de expressar o que senti, este ano, lá em Melbourne. Como faço com alguma regularidade, solicitei à FIA o jaleco que nos autoriza circular pelo circuito e fui ver de perto os modelos de 2012 em seções de baixa, média e alta velocidade. Curiosamente, causou muito boa impressão a performance do monoposto da Mercedes, em especial nos trechos mais rápidos. Fiquei com a nítida sensação de que pilotos como Hamilton, Alonso e Vettel tirariam bem mais do W03.

A prova seguinte, Malásia, não foi referência para ninguém. Schumacher e Rosberg se classificaram bem no grid, terceiro e sétimo, mas no piso molhado não foram bem, 10.º e 13.º. Foi a partir do GP da Espanha, quinto do ano, dia 13 de maio, que os adversários da Mercedes avançaram e a organização comandada por Brawn começou a ficar mais para trás.

Sobre seus pilotos. Rosberg aproveitou-se muito bem da maior eficiência do W03 no frio da China para conquistar para a Mercedes e ele a primeira pole e vitória. Mostrou ser melhor do que parecia. Está tirando bem mais do monoposto que Schumacher. "Ficar na sua frente tem sido muito bom para mim, para a minha carreira", disse-me. Rosberg é um piloto em evolução.

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Schumacher. Dediquei a minha coluna depois do GP da Hungria a ele, por eu ser um fã do grande Schumacher, e não do que voltou à Fórmula 1 em 2010, e vê-lo como no circuito Hungaroring, onde fez o papel de pastelão. Não precisa disso, fez o que nenhum outro piloto conseguiu na história da Fórmula 1. Está na hora de deixar a competição. Não acompanha mais as severas imposições físicas e até psicológicas da Fórmula 1.

O fato de Rosberg ter somado este ano 77 pontos e Schumacher 29 não é obra do acaso. Com sorte Schumacher poderá eventualmente conquistar um bom resultado, mas sua média tende a seguir baixa. E deverá renovar o contrato para disputar o Mundial de 2014. Para quem o admira, como eu, é dolorido saber que permanecerá na Fórmula 1.

Chega, não? É texto demais, amigos. Segunda-feira nossa conversa é sobre a Sauber.

Abraços!

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