PUBLICIDADE

Estamos deslumbrados com o avanço tecnológico. Não questionamos mais nada"; diz Fred 04; do Mundo Livre S/A"

Fred Zero Quatro é vocalista e líder da banda Mundo Livre S/A, que praticamente fundou junto com a Nação Zumbi o movimento mangue beat há 15 anos. A Mundo Livre S/A, que nasceu em 1984, despontou na cola do Nação, em 1994, com o disco ‘Samba Esquema Noise’. Atualmente, Fred trabalha também como assessor técnico da Secretaria da Cultura do Recife. Em entrevista, por e-mail e telefone, Fred se revela pessimista com relação ao futuro da música na era digital e critica o que ele de “um culto deslumbrado a qualquer tipo de avanço tecnológico”. O resultado dessa conversa, você confere aí embaixo:

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

“Uma coisa bacana do circuito atual (permitido pela internet), é que um artista ou banda com trabalho reconhecido e público fiel não precisa mais se mudar de mala e cuia de sua cidade, abandonar seus amigos e família, pra tocar sua carreira. Já tentei morar em Sampa, fiquei um ano na Vila Madalena, mas não me adaptei. Cresci comendo peixe frito e caranguejo na praia. Hoje a banda mora em Recife e consegue tocar a carreira, com uma agenda permanente de shows em todo o Brasil,” diz.

PUBLICIDADE

“Agora mesmo ganhamos de presente um clipe sensacional de um fã que mora em BH, nunca vimos o cara, que está se formando em um curso de design ou artes visuais, sei lá, com a música “Estela, A Fumaça do Pajé Mitisubixxi”. Ainda não lançamos oficialmente, precisamos da autorização da (gravadora) Deck, mas já tá repercutindo bem no YouTube. Isso é só um exemplo (de como artistas estabelecidos podem tirar proveito das novas tecnologias)”, conta.

“Acho que (a troca de arquivos na rede) é a polêmica mais importante do momento histórico atual, e infelizmente parece que ainda não tem despertado muito interesse no meio intelectual brasileiro. Muitos escritores americanos e europeus têm publicado ensaios importantes, levantando questões urgentes, mas aqui há uma espécie de vazio a respeito. Tenho me sentido como se tivéssemos regredido ao estágio tribal, e estivéssemos todos deslumbrados com os novos apetrechos mágicos (espelhos? pólvora? bússolas?) que o homem branco tem despejado nas vitrines dos nossos shopping centers. Não questionamos nada”, afirma.

E continua: “No meu tempo de faculdade (Fred é jornalista), McLuhan, Umberto Eco, Baudrillard e outros chacoalhavam as mentes jovens do planeta com reflexões essenciais sobre a aldeia global, a cultura de massa, a sociedade de consumo, etc. Hoje o ambiente urbano parece mergulhado numa espécie de fundamentalismo, um culto deslumbrado a qualquer tipo de avanço tecnológico. Não sei de onde vem esse meu defeito, mas eu nunca consegui me conformar com esse tipo de visão de curto prazo. “Uau, que massa, agora eu posso assistir a todos os filmes, ler todos os jornais e baixar milhares de músicas de graça!”

“E as pessoas ainda acham que isso tem a ver com ‘atitude’. Sinceramente, acho paradoxal, justo num momento em que o viés da sustentabilidade alcança status de prioridade absoluta de toda e qualquer agenda global. Alguns fãs da banda começam a me questionar sobre isso na estrada, e eu respondo com uma pergunta simples: com o provável desaparecimento das gravadoras, quem você acha que vai bancar a produção/gravação/mixagem/masterização de nossas novas músicas? O desmantelamento da indústria teria, para os evangelizadores da web, um efeito altamente positivo na medida em que provocasse o fim da parada de sucessos. Será?”

“Agora o Radiohead anuncia algo previsível, que já vinha se delineando como uma tendência óbvia: não pretende mais lançar álbuns, apenas faixas avulsas. Muitos analistas já deduzem, a partir disso, que podemos estar diante da morte do trabalho conceitual ou experimental, ou seja, de agora em diante toda e qualquer música nova tem que ser um novo ‘hit’, pelo menos na web. Isso, para mim, é o equivalente, na música, do que representa o conceito de ‘junkie food’ para a nutrição e a gastronomia.”

“Pirataria é o mesmo que comer num restaurante fino e sair correndo sem pagar a conta. Você se ilude que está sendo um ‘outsider’ ou ‘wildboy’, mas só está mesmo sacaneando com o pobre do garçon”, afirma.

Publicidade

“Existe um movimento por aí intitulado MPB (música para baixar). Acho simplório e equivocado. Não tenho nada contra a pessoa ir para um show, gravar trechos numa câmera qualquer, ou mesmo num celular, depois postar na web. Aí se trata de uma versão caseira e amadora da música. Aliás, esse movimento, se chamasse MDPB (música demo pra baixar), por mim tudo bem. Lembro de quando eu costumava baixar versões demo de jogos e softwares, que eram disponibilizados gratuitamente. Se me interessasse pela versão completa, comprava.”

“Só mais uma coisa sobre a internet: acho que defender o fim da indústria fonográfica equivale a decretar a morte do rock&roll, pelo menos se considerarmos a definição mais clássica do gênero: “uma forma de se ganhar muito dinheiro, em pouquíssimo tempo e com muito estilo”(Malcom Mclaren). Claro, nem todo mundo ficava rico com o rock, mas os que ficavam financiavam a máquina e motivavam a molecada a largar tudo e arriscar”, conclui.

Esta entrevista é a primeira de uma série que o Link vai publicar com alguns artistas e executivos das principais gravadoras sobre o presente e o futuro da música na era digital.

Leia também (Link no papel): *Lily Allen vs. Thomas Edison. O chilique da cantora inglesa contra o P2P não é novidade: música sempre olhou torto para o novo *Entrevista Gerd Leonhard

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.