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Uma questão complicada: o anonimato na internet

(por Pedro Doria)

Por Redação Link
Atualização:

Os ataques da turma do canal 55chan.org mobilizaram um bocado as conversas por aqui no Link, durante a última semana (leia abaixo). Não tanto pelas ameaças ao site, muito pela covardia com que trataram uma das repórteres da equipe. Num caderno que finca os dois pés na premissa de que as liberdades da rede precisam ser defendidas, situações extremas como esta nos faz pensar.

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Defender a liberdade na internet é a cara do Estado de S. Paulo. Trata-se de um jornal liberal, fundado para defender a Abolição e a República Democrática num tempo em que nem um, nem o outro, existiam no Brasil.

Isto que fazemos aqui no Link e no Estadão.com.br uma semana após a outra é a extensão daqueles mesmos princípios do século 19 no século 21.

Quando pessoas fazem ameaças grotescas e públicas, no entanto, precisamos nos perguntar: o que é liberdade?

Meus colegas de Link são árduos defensores do anonimato na internet. Creio que não divido a certeza deles.

A Constituição brasileira diz que há liberdade de expressão porém que o anonimato é vedado. O documento parece sugerir que podemos dizer o que pensamos desde que assumamos a responsabilidade sobre o que dissemos.

Não é tão simples assim – e por dois motivos. O primeiro é porque o anonimato é importante para defender aqueles que, nos Estados Unidos, são chamados de whistleblowers. Aqueles que sobram o apito. Grupos podem ser perversos. Grandes organizações, governos, trustes – todos têm o poder de abusar, oprimir. Muitas vezes, só quem está dentro tem acesso aos detalhes e documentos que comprovam tais abusos. E aí está a perversidade de grupos: virar-se contra os seus é difícil. É virar traidor, vira-casaca. A pressão não é apenas moral. Pode ser ameaça física.

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Garantir o anonimato é importante para que provas de abuso de grupos poderosos possam vazar. Sites importantes como o Wikileaks.org trazem à tona informação de interesse público que só seria possível garantindo o anonimato da fonte. O anonimato, assim, fortalece a democracia.

O segundo motivo é específico da internet. A não ser que se instale um sistema de vigilância na estrutura da rede, o anonimato é praticamente impossível de ser impedido. Os engenheiros que construíram nossa internet programaram o anonimato em sua essência. É uma forma de proteção à democracia. Mas o mesmo anonimato também protege o crime. Pedófilos, por exemplo. Nazistas. Um tipo de gente que, noutros tempos, não encontraria seus pares. O risco pessoal de abrir para a sociedade seus desejos ou ideais bárbaros era grande demais. Na web, eles se encontram.

Mesmo filósofos absolutistas na defesa da liberdade de expressão encontram limites. Um deles, o britânico John Stewart Mill, cita um caso.

Uma mesma ideia – “fulano tem que morrer” – pode ter resultados distintos dependendo do contexto. Escrito, é um desejo frio. Dito aos brados perante uma multidão ensandecida na frente da casa do Fulano apavorado, é crime. Que assuma seu crime.

Nos EUA, o anonimato de whistleblowers é protegido por lei quando traz à tona informação importante para o público. Mas nem todo o anonimato é protegido. Como tampouco o é no Brasil.

E o anonimato na internet – deveria ser protegido?

É possível argumentar com honestidade os dois lados. Se é para errar, talvez seja melhor errar pelo lado da defesa da liberdade consciente de que abusos ocorrerão. É duro concluir assim.

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Mas liberdade, como pudemos descobrir na pele durante esta última semana, não é fácil.

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