Uma panda; dois falcões e um ninho de águia

Transmissão do cotidiano de bichos via internet diz mais sobre o homem do que sobre a vida animal

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Por Redação Link
Atualização:

??? Transmissão do cotidiano de bichos via internet diz mais sobre o homem do que sobre a vida animal

 

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Por Marlene Zuk Los Angeles Times

Nunca foi tão fácil bisbilhotar vidas privadas ao redor de todo o planeta. Quando Su Lin, nascida em San Diego e filha de chineses, foi examinada pela primeira vez, os espectadores entusiasmados a chamaram de o bebezinho mais lindo de todos os tempos.

Quando uma mãe de três filhos morreu num acidente de avião, deixando o pai sozinho para cuidar da família, milhares de pessoas dos Estados Unidos manifestaram na rede o seu pesar.

E enquanto um jovem da Universidade de Nova York (NYU) se preparava para voar, seu mural no Facebook recebeu incontáveis mensagens de apoio.

Será que eu mencionei que os protagonistas destes casos são todos animais?

A família de pandas sino-americanos encanta o zoológico de San Diego há anos; o acidente de avião envolveu águias na cidade de Norfolk, Virgínia; e o filhotinho quase em idade de voar é um falcão-de-cauda-vermelha que saiu do ovo no parapeito do escritório do presidente da NYU.

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De instalações amadoras no fundo do quintal a elaborados sistemas de vídeo que acompanham as atividades diárias de tubarões e ursos polares, as webcams que transmitem ao vivo imagens de animais nos mostram nascimentos, romances, farsas e mortes – animais se comportando como animais 24 horas por dia, sete dias por semana. Aves de rapina como falcões e águias são muito populares, mas pode-se acompanhar o dia a dia de esquilos, furões, ursos e até galinhas. (Para os que duvidam, aviso que as galinhas levam vidas repletas de drama e diversão. Podem acreditar.)

Para todos. O apelo é óbvio. As câmeras deste tipo são uma janela mostrando aspectos da vida animal que nunca poderíamos conhecer na ausência delas, como uma versão particular do canal Animal Planet.

As câmeras representam um voyeurismo sem culpa, a intimidade sem a invasão da privacidade. E aquelas vidas não perdem a força de suas intrigas por não serem humanas. Parte do motivo pelo qual me tornei bióloga foi o fascínio por seres que parecem ao mesmo tempo ser exatamente como nós e ter vindo de um universo completamente diferente. As câmeras permitem que o resto do mundo – os não cientistas – participe da diversão.

Mas a característica dos animais que os assemelha a nós é também a razão que nos leva a fazer comentários a respeito das imagens. Os comentários nos sites de webcams são repletos de antropomorfismo, o que talvez não surpreenda, e os comentaristas não parecem se intimidar.

Depois que a águia mãe morreu, as emoções ficaram à flor da pele. “Que antropomorfização (sic) que nada”, um seguidor fiel declarou. “As águias não formariam elos emocionais de longo prazo e nem continuariam suas vidas se não sentissem exatamente o mesmo tipo de emoção que nos leva a agir desta maneira.”

Quando os céticos rechaçaram opiniões como essa, outros defenderam o primeiro internauta: “É claro que os animais têm emoções, e esta águia macho deve estar sentindo tanta dor, numa certa maneira aguial (sic), quanto uma pessoa sentiria”.

 

Eles e nós. Sinto grande admiração pelo cunhador do adjetivo “aguial” e aplaudo esse tipo de parentesco com outros organismos. Mas há o risco de afirmar tal parentesco com um excesso de insistência. Deixando de lado as aparências, os animais não são exatamente como nós, assim como nenhum de nós é exatamente como os outros.

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Os coelhos e os sabiás levam vidas diferentes, e não podemos esperar que a vida de nenhum deles imite a de um ser humano. Como podemos saber o que sentem os animais? Isso é impossível. Podemos olhar para cérebros de animais, podemos observar seu comportamento, mas sua vida íntima é misteriosa.

Se convencermos a nós mesmos que os animais espelham nossos sentimentos – nada mais e nada menos –, perderemos a oportunidade de descobrir como são de fato as outras espécies e corremos o risco de homogeneizá-las numa gigantesca e bestial reflexão do humano.

É então que os detalhes nos escapam. Se supusermos que os pares animais sejam sempre monogâmicos, ou sempre promíscuos, talvez não possamos compreender por que certas espécies são fiéis aos companheiros enquanto outras mantêm múltiplos parceiros. Os animais fazem ambas as coisas, e manter nossos próprios preconceitos fora da equação é essencial se quisermos compreender o comportamento deles.

Se acharmos que um grande número de filhos traz alegria, talvez não possamos compreender como as garças botem mais ovos do que jamais poderão criar, o que leva a uma violenta rivalidade entre os irmãos para decidir quem será o vencedor.

É até mesmo possível que comecemos a tomar partido, se um chupim (que se aproveita de outras espécies para criar seus filhotes) jogasse para fora do ninho o ovo de um cardeal e o substituísse por seu ovo, simplesmente porque o cardeal se tornou o protagonista da novela que se passa no nosso jardim.

Finalmente, temos o problema de estabelecer o limite. Será que nossos elos emotivos devem ser estendidos às águias e corujas, aos pandas e filhotes, às cobras? Às água-vivas? Às bactérias? A maioria das pessoas não encontra dificuldade em ver seus sentimentos espelhados por um mamífero, ou mesmo pelas aves maiores, mas, e quanto ao restante dos plumosos, escamados e dotados de nadadeiras?

Um dos motivos pelos quais gosto de estudar os insetos é a dificuldade de vê-los como pequenas pessoas. Eles têm uma vida social complexa e maravilhosa apesar da aparência alienígena. E eu aproveito para me despir de preconceitos, descobrir pequenas realidades não humanas e reconhecer o valor que os insetos têm sendo simplesmente aquilo que são.

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As câmeras que acompanham a vida dos insetos são menos populares, mas há algumas, como uma webcam que acompanha baratas sibilantes de Madagáscar. Elas são mães muito atenciosas. Mas aposto que ninguém capturou uma imagem da tela e a enviou à mamãe como presente no dia das mães.

* Marlene Zuk é professora de biologia da Universidade da Califórnia em Riverside, escreve sobre a multiplicação de webcams transmitindo ao vivo o dia-a-dia de animais ao jornal norte-americano Los Angeles Times.

/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

—-Leia mais:Link no papel – 27/06/2011

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