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'Quando as máquinas não esquecem; deletar é a solução'

Autor de 'Delete: A Virtude de Esquecer na Era Digital' teme que a falta da capacidade de esquecer possa afetar a forma como os cidadãos se expressam hoje

Por Rafael Cabral
Atualização:

SÃO PAULO – O professor Viktor Mayer-Schönberger, de Harvard, vê implicações “nefastas” na capacidade de armazenamento – infinita? – da internet. Em um futuro em que tudo está online, as pessoas começarão a tomar um cuidado excessivo com o que falam. Essa autocensura, segundo o acadêmico, pode até “acabar com a democracia como a conhecemos”. “Quando nossas opiniões são acessadas com um mero clique deixaremos de agir como cidadãos críticos, com medo da repercussão”, teme.

Em Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age (Delete: A Virtude de Esquecer na Era Digital) ele explica o papel fundamental que o esquecimento desempenhou na história e projeta um futuro orwelliano de memória total, no qual tudo o que fizemos online voltará para nos assombrar algum dia. Com o passado sempre presente não conseguiremos sequer uma segunda chance.

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Mayer-Schönberger conversou como Link para nossa matéria dessa segunda-feira sobre os perigos e promessas do arquivamento online. Confira a entrevista completa abaixo:

O que significa quando são as máquinas que guardam todas as nossas memórias e nós não decidimos quando esquecê-las?

Diversas conseqüências que giram em torno dos conceitos de “tempo” e “poder”. Se os humanos acreditam que estão sendo constantemente observados por autoridades, eles ajustarão o seu comportamento e irão parar de criticar, falar e discordar. É mais ou menos a ideia do panóptico: um mirante no centro de uma prisão que faz com que os prisioneiros se sintam sempre vigiados e ajustem o seu comportamento.

Como seria esse ajuste de comportamento?

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A memória digital cria um panóptico de dimensão global, um mirante infinitamente maior do que pudemos imaginar. Com o passar do tempo, os humanos serão confrontados com tudo o que fizeram online, mesmo uma foto postada décadas atrás. Para minimizar possíveis confrontos no futuro, existe um real perigo de autocensura. Os homens podem deixar de agir como seres críticos, consumidores críticos ou mesmo cidadãos críticos. Será o fim da democracia como a conhecemos.

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Como seria o homem que não esquece?

Terrível. Como os humanos esquecem naturalmente, nós conseguimos deixar eventos traumáticos de lado. Com a memória eletrônica nós seremos constantemente lembrados dos nossos erros e traumas do passado, e nos manteremos presos a eles. Uma pessoa com uma memória perfeita ficará sempre presa aos detalhes e jamais será capaz de generalizar ou abstrair deles.

Existe alguma alternativa à essa ‘memória total’? Como você redesenharia as ferramentas que usamos na web?

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A tecnologia digital tornou o custo de armazenamento extremamente barato e, assim, deixou o esquecimento extremamente difícil. As máquinas sabotaram nossa capacidade de deixar as coisas pra lá. Precisamos ensinar aos robôs a nossa qualidade de esquecer. Minha sugestão é que toda informação um dia expire. Cada vez que subimos um arquivo, teremos que especificar também sua data de validade. Quando passar, ele sai do ar. Claro que poderemos adiar esse dia se precisarmos daquelas informações por mais tempo, ou mesmo antecipá-lo se quisermos nos livrar dela. O importante é dar poder aos usuários para que eles decidam o que querem lembrar ou não. Toda informação depende do contexto, nada é eterno.

Esquecer e lembrar não são apenas atitudes individuais, mas também sociais. Isso continua igual com a web?

Sim, continua. Nós nos recriamos e refazemos a nossa sociedade todos os dias com o que lembramos, na web e no mundo real. Nossa memória coletiva não é constante, mas cada vez evolui mais. E isso geralmente é uma coisa boa.

Em nossa mente somos nós quem decidimos o que vai ser guardado ou largado. Na memória digital, no entanto, esse poder muitas vezes está na mão de grandes empresas como o Google. O que fazer quando o poder de deletar não está nas nossas mãos?

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E não só o Google, mas muitas outras. Nos Estados Unidos, as empresas de cartão de crédito têm mais de 1200 informações pessoais de seus clientes e oferecem isso para quem quiser, por uma pequena taxa. Companhias aéreas guardam nossas informações de reservas, mesmo que nunca tenhamos comprado a passagem. E as agências governamentais detêm um tesouro de informações. Com tudo isso, elas podem manipular os indivíduos.

Acredita-se que quanto mais velha for uma memória, mais dificilmente lembraremos dela. Na web isso acontece da mesma forma?

Isso não é exatamente verdade biologicamente e uma mentira digitalmente. No nosso cérebro lembramos melhor daquilo que lembramos com freqüência. O que também é verdade para as lembranças digitais. Se alguém estiver interessado na preservação de dados e quiser pagar por isso, não haverá dificuldade no acesso. O custo de armazenamento hoje é muito, muito, muito baixo.

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