Tecnologia traz novos sons para a música

No Rio, festival Novas Frequências destaca artistas que usam inovação para criar música experimental

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Por Thiago Sawada
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A composição de uma música leva em conta três elementos básicos: melodia, ritmo e harmonia. Como em qualquer outra forma de arte, o compositor pode romper os padrões para alcançar novas abordagens. É o caso da banda mexicana Interspecifics, que encontrou na tecnologia uma forma de converter em sons a energia gerada por organismos vivos. O resultado não é uma música tradicional com um gênero definido, mas uma produção sonora inédita conduzida por ruídos e frequências combinadas e sobrepostas.

O grupo é uma das mais de 40 atrações que vão se apresentar no Brasil durante a quinta edição do festival de música experimental Novas Frequências, que acontece em várias palcos do Rio de Janeiro entre 1.º e 8 de dezembro. Ao contrário de outros festivais de música, onde o foco é o entretenimento, a proposta aqui é explorar novas possibilidades sonoras, a partir de ruídos, barulhos, chiados, dissonâncias, microfonias ou “aparentes” erros.

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O principal destaque do evento é o grupo Interspecifics, que vai apresentar o projeto Non-Human Rhythms (ritmos inumanos, em inglês) durante o festival. Antes da apresentação, as artistas mexicanas Leslie Garcia e Paloma Lopez vão organizar um laboratório colaborativo com artistas locais para coletar amostras de micro-organismos em praias do Rio.

Eles serão os “instrumentos” usados durante a apresentação para o público: um equipamento desenvolvido pelas artistas usa sensores para ler ondulações de frequência produzidas pelas reações fisiológicas de bactérias, plantas e musgos. Depois, amplificadores tornam esses sons audíveis. O resultado é um ruído contínuo, que as artistas modificam ao vivo conforme expõem o material biológico ao som, luz ou toque. “O exercício é usar diferentes sinais para criar a atmosfera de ritmos complexos que os organismos produzem”, diz Paloma.

Imperceptíveis. Vibrações e ondulações de frequência, embora façam parte do mundo em que vivemos, nem sempre são percebidas pelas pessoas. Isso porque o ouvido humano é capaz de escutar apenas os sons na faixa de frequência entre 20 hertz e 20 mil hertz. “Através da tecnologia, podemos estender nossos sentidos e tornar várias formas de energia tangíveis para os sentidos humanos”, explica Paloma. Segundo a artista, a ideia do Non-Human Rhythms é ajudar as pessoas a criarem consciência dos sons que estão ao redor.

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Há quem diga que os sons produzidos pela Interspecifics não são música, mas um conjunto de ruídos. “Pense na música experimental como uma arte sonora, uma exploração de sons que vai impactar a percepção das pessoas”, diz Eufrasio Prates, compositor de música experimental e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, a missão da música experimental é provocar: enquanto a música tradicional transmite uma mensagem direta por meio da letra, a experimental traz elementos mais subjetivos.

“Quando o artista começa a trabalhar com a ideia de que tudo pode se tornar música, ele amplia muito sua palheta de possibilidade sonoras”, diz o produtor musical e curador do Novas Frequências, Chico Dub.

Seja o som de água correndo por um rio ou o do trânsito caótico de uma grande cidade, qualquer barulho pode ser usado como matéria-prima para novas linguagens sonoras. O que caracteriza o trabalho como uma música experimental, porém, é o processo usado pelo artista para transformar esses ruídos em uma composição inédita.

As possibilidades de experimentação aumentaram a partir do final da década de 1990, quando os computadores se tornaram capazes de processar maiores conjuntos de dados. Eles permitiram a criação de sons sem a necessidade de percutir, dedilhar uma corda ou fazer o ar passar por um tubo. “O computador é o maior instrumento musical já criado na história da humanidade”, afirma Dub.

Com a tecnologia, além de reproduzir o som de qualquer instrumento musical, os artistas podem manipular o áudio em tempo real, criar sons inéditos e amplificar ruídos até então desconhecidos.

The Enlightenment from Quiet ensemble on Vimeo.

Corrente elétrica. O suave zumbido da corrente elétrica de uma lâmpada – que poderia indicar seu mau funcionamento – soou como música para os ouvidos dos artistas italianos Fabio Di Salvo e Bernardo Vercelli, do grupo Quiet Ensemble, que estará presente no festival. Para eles, o ruído lembra a melodia aguda dos violinos. Com microfones de alta sensibilidade e bobinas de cobre ligados a um PC, eles captam os sinais elétricos de centenas de lâmpadas e os convertem em sinais sonoros. O som muda conforme a intensidade da luz. “Nosso objetivo não é fazer música, mas destacar alguns ‘concertos’ escondidos em nosso redor”, afirma Di Salvo.

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Outro destaque é o compositor francês Pierre Bastian, que construiu uma orquestra automatizada, inspirado pelo romance Impressões da África, do autor francês Raymond Roussel. Ela traz 80 máquinas feitas com peças de brinquedo e motores que tocam instrumentos de todo o mundo, como uma flauta chinesa, um bendir marroquino e um saron javanês. “Sou bem eclético com relação aos meios que utilizo”, diz o artista.

Nem todos os participantes, porém, desenvolveram tecnologias para produzir novos sons. Com o fácil acesso a softwares de manipulação de áudio, qualquer pessoa pode fazer música experimental sem investir muito. “O resultado disso são produções cada vez mais próximas do ineditismo”, diz o curador do Novas Frequências.

Pierre Bastien – L’orchestre mécanique from Le Studio MAC Créteil on Vimeo.

Serviço 5º Novas FrequênciasQuando: de 1º a 8 de dezembro, no Rio de JaneiroQuanto: de R$ 3 a R$ 20 (há também atrações gratuitas) Consulte a programação completa no site oficial do festival

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