Produção social

Músico carioca aplica o conhecimento tecnológico de jovens na criação de trabalhos inspirados na cultura das comunidades do Rio

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Com uma agência digital no Complexo da Maré, músico carioca aplica o conhecimento tecnológico de jovens dos morros na criação de trabalhos inspirados na cultura das comunidades do Rio de Janeiro

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SÃO PAULO – Primeiro vieram as ONGs. Depois, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Agora é a hora das agências de comunicação digital chegarem às favelas do Rio de Janeiro. E a primeira delas está funcionando a pleno vapor no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

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A Dharma Comunicação tem sete funcionários fixos e vários colaboradores que atuam por projeto. Fundada há dois anos, a agência quer investir em um novo tipo de publicidade – a afirmativa. Para isso, a agência emprega o conhecimento tecnológico e social dos jovens dos morros e ajuda na formação profissional deles. “Tem uma molecada muito boa de 15 e 16 anos nas favelas”, diz Anderson França, responsável pela agência, que brinca se apresentando como o “CEO of Whatever” (algo como “presidente executivo do que der e vier”).

Músico nascido no subúrbio carioca, França começou a trabalhar no grupo cultural Afrorregae, uma das maiores instituições que realizam trabalhos sociais em favelas cariocas. Mas o trabalho assistencialista era pouco perto do que ele planejava fazer.

“Uma ONG tem uma série de limitações. Ela não pode criar um produto que seja vendido por menores. E quando você fala de publicidade e social media, você fala essencialmente de jovens. Não dá para fazer trabalho que gere lucro”, diz. Há outras questões: para Anderson, grandes ONGs não têm tanta independência para atuar por causa da relação delas com o poder público.

A saída foi a criação de uma empresa focada na criação de conteúdo a partir da favela, de maneira independente e autossustentável. “Nós já recusamos jobs de empresas grandes. Por outro lado, já aceitamos projetos de garagem”, diz França. Todos os projetos têm como base a própria cultura da favela: o funk, a moda, o hip hop, o samba.

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A favela vende. E não é de hoje. A estabilidade econômica trouxe uma nova realidade aos morros cariocas – redes de varejo, internet e TV a cabo. E, com esse desenvolvimento, surgiu também um mercado promissor que começou a chamar a atenção de grandes empresas.

A Dharma surgiu para servir como ponte, ligando as agências e empresas tradicionais ao universo da favela, e também os jovens dos morros a essas empresas. “O papel de uma agência não é apenas vender um produto, mas também fazer proposições a partir da fala da favela. Questionamos a publicidade tradicional. Menos consumo, mais cidadania”, diz França.

 ”O papel de uma agência não é apenas vender um produto, mas também fazer proposições a partir da fala da favela.” Anderson França, responsável pela agência digital Dharma Comunicação FOTO: MARCOS DE PAULA/ESTADÃO Foto: Estadão

Difusão do funk. O plano começa a ser concretizado agora com o lançamento da marca Funk You (abreviado por Fnku), um projeto que engloba várias empresas para fortalecer a marca do funk – e todo o modelo de negócios que ele carrega.

O resultado é uma marca que usa o princípio do “copyleft” (sem restrições de direitos autorais) que pode ser copiada, modificada e remixada à vontade. “É uma marca sobre o funk, dentro do conceito de open source (código livre), que são negócios abertos, como o Linux, como Wikipédia, cujo valor é exatamente ser uma marca manipulável pelos atores que interagem com ela”, diz França. Os cartazes abaixo são parte do projeto.

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Na Dharma, quem executa o trabalho é quem está dentro da cultura do lugar: os jovens dos morros. “E eles não são assistidos. São profissionais”, diz França.

Não foi difícil encontrar mão de obra qualificada. A aproximação de grandes empresas e ONGs com as favelas – sem falar de filmes como Cidade de Deus, que lançaram holofotes sobre a realidade das comunidades – formou uma nova geração acostumada com a internet e a linguagem da comunicação digital – redes sociais, câmeras, cinema, televisão.

Há pessoas de 19 e 20 anos que já foram para o prêmio internacional de publicidade em Cannes, na França, ou participaram de projetos no Projac, o complexo de estúdios da TV Globo. “Essa galera já faz coisas sozinha, produz documentários, são designers”, diz França.

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Isso não impede que a Dharma também tenha um papel de formar os jovens. Mas a profissionalização nunca é do zero. “Nós conhecemos alguns jovens que são designers e estão começando, pegando o Mac e desenvolvendo os primeiros trabalhos, e o levamos para passar o dia em uma agência. Pegamos esse jovem do ponto em que ele está e o colocamos objetivamente no mercado”, diz ele. “Esse jovem tem um potencial criativo muito grande e não pode ser usado como mão de obra subempregada. Ele não deve ser o garçom ou o faxineiro na Olimpíada. Ele tem de ser o gestor, o designer.”

No Funk You, há várias ideias para serem colocadas em prática. Uma delas, por exemplo, é a produção de roupas. “Será totalmente produzida Made In Favela. Tudo. Corte a design, até a venda”, diz França. Outro projeto que deve começar em 2013 serão aulas de desenvolvimento de aplicativos para os jovens. O plano é criar uma aceleradora ou incubadora de startups. “Queremos que os jovens desenvolvam software dentro da favela. Queremos colocar essa molecada em contato com essa tecnologia para que eles deem um salto. Queremos cortar os atravessadores”, diz França. Os projetos são colocados em prática com parceiros como a Fundação Telefonica, a agência Cubo.CC e a Escola Superior de Propaganda e Marketing, entre outros parceiros.

“Trabalhamos no modelo de rede. Quando conseguimos um job, dividimos os percentuais para que todos participem horizontalmente. Decidimos tudo coletivamente. A Dharma está virando uma holding”, diz o empreendedor.

—-Leia mais:• Link no papel – 7/1/2013

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