Passo à frente

Criador do Kinect diz como convenceu a Microsoft e conta que essa é só a primeira fase

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Há três anos, Alex Kipman estava no Brasil se preparando para mudar de área na Microsoft. O programador é brasileiro, mas vivia nos EUA há 11 anos e mudaria do Windows para a área do Xbox. Ele passava férias em um sítio próximo a Curitiba, cidade onde nasceu, quando veio o estalo. “Eu gostei do mundo sem tecnologia. O pessoal da indústria está passando muito tempo com gadgets, ‘gizmos’, botões. A tecnologia surgiu para ajudar, mas nós estamos ficando escravos dela”, lembra.

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Passaram-se três anos. E essa história da fazenda foi repetida inúmeras vezes nos últimos dias. Aquele estalo aumentou. A ideia de um mundo sem botões deu origem ao Kinect, tecnologia de reconhecimento de movimentos que faz do corpo um controle remoto para games – no caso, o Xbox 360. O produto foi lançado mundialmente na quinta, 4, e Alex poderia estar em qualquer lugar do mundo para falar de sua criação, mas resolveu vir ao Brasil. Encarou a maratona de lançamento com bom humor. Coisa de quem gosta do que faz.

Ele contou ao Link que nunca, nem em seus sonhos mais loucos, imaginou chegar onde chegou. A paixão pelos games veio aos cinco anos, despertada por um Atari que ganhou de presente do pai diplomata. Foi por causa dele que Alex morou em Roma e Miami. Fez faculdade de engenharia de software nos EUA, no Rochester Institute of Technology. Está na Microsoft há oito anos, menos da metade deste tempo em seu atual cargo: diretor de inovação na divisão Xbox.

“Trabalhar com games permite criar mundos. A única barreira é a falta de imaginação”, conta, com sotaque ora puxado para o inglês, ora para o paranaense.

Hoje o trabalho de Kipman é pensar o futuro do Xbox – e dos games – no mundo. Mas isso não é simples. Daquele insight no sítio, ele teve que convencer muitas pessoas de que sua ideia era boa. A começar pelos cabeças do Xbox: Don Mattrick, presidente da área de entretenimento da Microsoft, e Kudo Tsunoda, diretor criativo. A entrada de Mattrick coincidiu com a evolução da ideia. “Nosso objetivo era criar a nova versão do Xbox. Todos tinham pontos de vista diferentes, mas caíamos na mesma ideia: fazer a tecnologia desaparecer.”

Mattrick era inspirado pelas conversas com George Lucas e Steven Spielberg; Tsunoda buscava experiências inéditas. “Eu era o cara da tecnologia que pensava: ‘será que nós conseguimos inventar algoritmos sofisticados o suficiente para tornar real essa ideia do sensor reconhecer seus movimentos e sua voz?’”, lembra o brasileiro.

Sem as mãos O grupo passou pelo menos dois meses tentando fazer que a “ficção científica virasse fato científico”. A ideia estava lá: pessoas se divertindo em pé, com a sala limpa, sem equipamentos, sem botões. “Como você junta a simplicidade da ideia com uma tecnologia complexa e ao mesmo tempo invisível?”, questiona. As pessoas não se movimentam da mesma maneira. Não têm os mesmos tamanhos nem a mesma voz. A câmera RGB, o sensor de profundidade e o microfone que compõem a tecnologia de reconhecimento precisam captar sutilezas. “Não estávamos mais no mundo digital, de zeros e uns. Começávamos a entender o mundo analógico, humano. É um mundo de probabilidades. Não de ‘verdadeiro ou falso’, mas de ‘quem sabe’. Não é preto e branco, é cinza. Era preciso programar um jeito novo de entender humanos”, explica Kipman.

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Ele aposta que sua ideia será uma revolução. “As indústrias saem da fase estática e se mudam em fases rápidas de transformação. Acho que estamos ainda na fase em que os seres humanos têm de entender tecnologia, mas estamos mudando. Vamos desse mundo velho para o novo, em que a tecnologia desaparece e nos entende”, diz Kipman, apostando que o Kinect é o protagonista dessa revolução.

A proposta era ambiciosa desde o princípio. “Só uma pessoa tem a visão do mundo novo. Ninguém mais vê. Então você tem de passar por um processo de convencer e transformar uma organização inteira para ter a mesma paixão que você pela visão, embora eles não a vejam ainda. Devagar fomos convencendo a Microsoft de que esse era um mundo possível. Agora começamos a convencer o mundo.”

Hoje, diz ele, 70% da indústria de games está voltada para a novidade. Oito dos doze games que serão lançados até o final de 2010 para o Kinect foram feitos por outras empresas. “É muita felicidade ver a indústria ir atrás e ter a mesma paixão vendo as coisas impossíveis virando realidade”, diz.

O trabalho está pronto, mas o brasileiro não tirará férias. Hoje mesmo ele volta ao batente. É que, diz, “esse é o começo de uma grande jornada”. “Quando propusemos a visão do mundo de amanhã, não propusemos Kinect, mas sim a visão”, explica, emblemático. Ele diz que está trabalhando desde o começo do ano em uma tal fase dois do projeto.

São três etapas, diz, sem adiantar nenhum detalhe. “Nessa vida de inventor, você segue seu filho até o final, mas sempre começa o próximo antes. É corrido, mas mudar o mundo não é nada fácil. Requer paixão, trabalhar fortemente. Eu não reclamo, amo o que eu faço. E é alucinante eles me deixarem fazer o que faço.”

—- Leia mais:É real: Kinect muda forma de jogar‘Link’ no papel – 08/11/2010

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