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Pagando para viajar na via expressa da internet

Neutralidade de rede pode ser o assunto mais importante da internet... desde o surgimento da internet; entenda o porquê

Por Redação Link
Atualização:

Debate sobre neutralidade de rede pode mudar a internet como a conhecemos hoje ARTE: Carlinhos Muller/Estadão

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Nick BiltonThe New York Times

Para um tema que soa tão monótono, a “neutralidade da rede” é o assunto mais importante enfrentado pela internet desde… Bem, desde a internet.

A ideia por trás da neutralidade da rede diz que o material que vemos na internet usando nossos laptops e smartphones, seja o Google ou em algum blog minúsculo, deveria fluir livremente pelo encanamento da internet, independentemente de sua origem, destino ou conteúdo. Ninguém recebe tratamento especial.

Mas o que acontece se alguém estiver disposto a pagar para que seus dados sejam transmitidos a uma velocidade maior? Estamos no capitalismo. Aqueles que são donos do encanamento podem cobrar mais, não?

A questão veio agora ao primeiro plano agora que um tribunal federal de apelações decidiu que a Comissão Federal das Comunicações (FCC) não pode mais impedir AT&T, Verizon e outras provedoras de acesso à internet caso estas desejem criar vias expressas na internet. Pode apostar: essa batalha ainda não chegou ao fim. Na sexta feira, o presidente Obama disse que a FCC pensava em entrar com uma apelação na tentativa de preservar “uma internet livre e aberta”.

A premissa por trás da neutralidade da rede remonta aos dias do telégrafo. Mesmo naquela época, tudo se movimentava mais ou menos à mesma velocidade. Desde os anos 1970, a FCC impede as empresas de telecomunicações de escolher favoritos nas linhas telefônicas de longa distância. E, pensando bem, a empresa que fornece energia ao seu lar não cobra um preço para alimentar a geladeira e outro diferente para a máquina de lavar roupa – nem oferece opções especiais e mais caras para aqueles que desejam fornecimento elétrico durante as interrupções no serviço.

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A pergunta é: será que a internet se tornou tão fundamental para nossas vidas a ponto de se tornar essencialmente um serviço público sujeito à regulamentação?

Para empresas como AT&T, Verizon e Comcast, a resposta é negativa. De acordo com elas, se empresas como Google e Netflix desejarem pagar mais para viajar na via expressa, não se deve impedi-las. De acordo com esses raciocínio, os fregueses serão beneficiados.

A FCC e outras agências temem que tal arranjo permita aos provedores de acesso escolher seus clientes favoritos, oferecendo tratamento diferenciado àqueles dispostos a pagar o preço. Como uma startup promissora poderia concorrer com nomes do peso de Google e Netflix se o seu conteúdo não for entregue com a mesma velocidade ou a mesma qualidade? E quem impediria um concorrente de simplesmente bloquear o conteúdo do adversário? Francamente, há muita gente que não confia nas AT&Ts e Verizons do mercado.

“É longo o histórico de exemplos de situações em que as empresas de telecomunicações disseram, ‘Agiremos de maneira ética, como se houvesse regras para nossas práticas’, apenas para quebrar essas mesmas regras em questão de seis ou nove meses”, disse Christopher Libertelli, ex-conselheiro legal sênior da FCC e atual diretor de relações globais da Netflix com governos.

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Em 2007, por exemplo, a Comcast reduziu a velocidade do tráfego que usava o formato de compartilhamento de arquivos BitTorrent, e a FCC teve de intervir.Então, em 2010, a Verizon impediu que as pessoas usassem o Skype em sua rede, citando problemas de congestionamento. E, em 2012, a AT&T impediu os donos de planos de dados ilimitados de usar os recursos do programa de mensagens de vídeo FaceTime, da Apple, a não ser que elesoptassem por um plano mais caro.

Libertelli disse que a Netflix já está observando situações em que a velocidade do seu serviço é reduzida em determinadas áreas, e não há muito que a empresa possa fazer a respeito. Em casos como esses e muitos outros, as empresas de telecomunicação e provedoras de sinal estão bloqueando produtos que concorrem diretamente com os serviços oferecidos por elas.

As provedoras de internet dizem que o consumidor deve ter liberdade para decidir com seu dinheiro, optando por um provedor concorrente se não concordarem com as práticas de uma determinada empresa. Mas a maioria dos americanos não tem opções entre as quais escolher.

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Um relatório elaborado pela FCC em 2013 a respeito da concorrência entre as provedoras de internet com fio revelou que quase um terço dos americanos tem apenas um provedor oferecendo serviços de banda larga para o seu endereço à velocidade de 6 megabits por segundo ou mais. Outros 37% dos americanos podem optar entre dois concorrentes.

Em seu livro Captive Audience: The Telecom Industry and Monopoly Power in the New Guilded Age, Susan Crawford, professora visitante da faculdade de direito de Harvard, destaca que as empreses de telecomunicações já estão lucrando muito enquanto investem em nova infraestrutura. O lucro da Verizon Communications aumentou em mais de 10% nos anos mais recentes, acumulando mais de US$ 2,2 bilhões em lucros durante o terceiro trimestre do ano passado. A AT&T, provedora americana que só perde para a Verizon, teve lucro de US$ 3,8 bilhões no mesmo trimestre.

Tim Wu, criador da expressão “neutralidade da rede”, disse temer que as empresas de telecomunicações sejam tão grandes e poderosas a ponto de não perderem essa batalha.

“A FCC teme as empresas que são sujeitas à sua regulamentação. A agência pode ser intimidada por elas”, disse Wu, professor da Faculdade de Direito de Columbia. Wu, que já escreveu bastante a respeito de questões regulatórias semelhantes, prevê que isto poderia acabar prejudicando os provedores de acesso à internet, levando a uma regulamentação mais rigorosa ou à possibilidade de empresas como o Google desmascararem o blefe da comissão.

“As provedoras de telefonia e serviços a cabo devem tomar cuidado com o que desejam, pois tudo isso ainda pode explodir na cara delas”, disse ele. “Verizon e Comcast podem se ver diante de sérias demandas por dinheiro. Talvez o Google diga às empresas de comunicações, ‘Na verdade, se quiserem que seus fregueses acessem nossos serviços de busca, são vocês que terão de pagar a nós’.” Mas, por enquanto, todos estão estudando os movimentos um do outro.

Isso até um marco ser estabelecido – e então, o futuro da internet poderá mudar para sempre.

/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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