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Mianmar tem menos celulares por habitantes do que a Coreia do Norte e lá é ilegal ter um modem

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Por Redação Link
Atualização:

Mianmar tem menos celulares por habitantes do que a Coreia do Norte e lá é ilegal ter um modem. O resultado é uma população carente de informação e tecnologia, apesar da recente abertura política

Jeremy Wagstaff, da Reuters

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Mianmar (ex-Birmânia) é o país com a menor quantidade de telefones por habitante e também, provavelmente, o menos conectado à internet do mundo. Por trás das estatísticas, porém, há algo mais do que um mercado a ser explorado por empresas de tecnologia com água na boca.

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Mianmar foi governado por militares durante décadas. E isso provocou não só um atraso nos serviços de conexão como também deixou uma complexa rede de interesses.

 

Um recente encontro de tecnologia em Rangum, antiga capital e maior cidade do país, ilustra as promessas, mudanças e problemas de Mianmar como a próxima fronteira dos investimentos. O encontro foi organizado por um grupo ligado a empresas, blogueiros e profissionais de tecnologia que deixaram o país atrás de oportunidades.

O encontro foi um “BarCamp” – um formato mais descontraído idealizado pelo pessoal da Califórnia cansado das reuniões exclusivas a portas fechadas, típicas do Vale do Silício. A ideia espalhou-se pela Ásia, mas em nenhum lugar ela pegou tanto como em Mianmar.

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Em outubro de 2009, Emily Jacobi, fundadora do BarCamp, viajou a Rangum em parte para estimular o interesse. Blogueiros independentes e uma entidade empresarial abraçaram a ideia, mas não foi fácil superar as suspeitas. Os empresários estavam acostumados há anos a construir laços com o governo.

O primeiro BarCamp, em 2010, reuniu três mil pessoas – um recorde – e isso antes de qualquer sinal de mudança política. A líder da oposição Aung San Suu Kyi ainda estava em prisão domiciliar. Na época da terceira edição, no mês passado, ela já era uma mulher livre prestes a disputar uma eleição – e convidada de honra do encontro.

A popularidade da conferência também reflete o quanto a população local é privada de informação e de conexão. Para Thar Htet, um consultor de Cingapura que palestrou na primeira edição, ficou claro que a maioria dos participantes não compreendia tópicos relativamente básicos. “Dava para ver em seus olhos”, disse. Quando ele voltou neste ano, encontrou as coisas mudadas – um pouco. “As pessoas agora entendem melhor. Mas eu também simplifiquei as apresentações.”

Embora as lan houses tenham proliferado desde 2003, ajudando a criar uma geração de blogueiros e programadores autodidatas, há limites para o que eles podem fazer com conexões lentas e sem treinamento.

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Quando Pyae Phyo Maung, por exemplo, frequentou a Universidade de Estudos da Computação, em Rangum, ele tinha de levar o seu próprio computador. Para aprender mais, os que podem vão para o exterior. Pyae Phyo Maung partiu para Cingapura em 2009, onde ele trabalha como consultor de informática. De sua classe de 10 alunos, apenas dois continuam em Mianmar.

Isolado. Até pouco tempo atrás, o governo restringia severamente o acesso às comunicações, tanto por telefone como na internet. A restrição aumentou após a Revolução do Açafrão em 2007, quando ativistas enviaram fotos, vídeos e reportagens dos protestos ao mundo exterior por telefones celulares e pela internet. Seguiu-se uma pronta repressão aos blogueiros.

Este é um país onde, como adverte o Departamento de Estado dos EUA, é ilegal possuir um modem e onde todos os computadores com conexão à rede precisam ser registrados no Departamento de Correio e Telecomunicações (MPT). Sem autorização, a pessoa está sujeita a multas e prisão de até 15 anos.

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Em 2000, o MPT mudou seus termos de serviço e passou a filtrar todo o conteúdo online com a mesma rigidez que controla a mídia offline. Também passou a exigir permissão para qualquer um que quisesse criar um site.

O resultado é um setor cheio de gargalos. Por exemplo, não há uma fonte padrão para texto em birmanês. Isso significa que os usuários precisam instalar fontes especiais para ler páginas da internet. A taxa de uso de celulares está da ordem de 1% a 3% da população. Na Coreia do Norte, ela é de cerca de 4%.

As companhias que prosperam tendem a ser bem relacionadas com o governo ou parcialmente estatais. A primeira rede GSM do país foi construída por uma empresa que tinha laços com a família de um general.

Apesar de o setor móvel ser pequeno, ele é muito lucrativo. Os chips de celular são produzidos e vendidos por negócios do empresário Tay Za, segundo um telegrama da embaixada americana de julho de 2009 que vazou para o WikiLeaks. Embora os chips descartáveis sejam mais baratos que um celular CDMA (sem chip) de US$ 1.400, eles só valem por apenas dois meses e as ligações são caras. Tay Za está na lista negra tanto da União Europeia (UE) como dos EUA.

O acesso à internet é extremamente limitado. Só dois provedores têm permissão para operar. Um deles, Red Link Communications, pertence a dois filhos de Thura Shwe Mann, ex-número três na junta militar que governa o país e atual presidente da Câmara. Os três estão na lista negra de concessão de vistos da UE.

Transitar entre esta rede de interesses é vital para as empresas locais e estrangeiras. Organizar o BarCamp sob o nome da associação garantiu-lhe as autorizações necessárias e o patrocínio das principais empresas do setor. Seus dois parceiros principais foram o Ministério das Comunicações, Correios e Telégrafos e um dos principais bancos do país, o Asia Green Development Bank – que também pertence a Tay Za. Outro patrocinador foi o Red Link.

Mudanças. As companhias estrangeiras têm duas opções: ou seguem a mesma estratégia ou esperam por mudanças. Mas há sinais de que o governo está respondendo à demanda popular por conexões melhores.

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Mais empresas em Rangum, que há anos têm lidado com blecautes parciais de energia, agora têm eletricidade por 24 horas. No mês passado, uma empresa começou a oferecer conexão WiMAX (com tecnologia sem fio) por US$ 30 mensais. “Há alguns anos ela custaria US$ 1.500 e teria demorado duas semanas para ser instalada”, disse Thaung Su Nyein, diretor da empresa de tecnologia Inforithm-Maze. “Hoje leva um dia.”

Se antes serviços de e-mail, Facebook e Skype eram bloqueados, agora até sites de exilados críticos ao regime podem ser acessados. Quando o exilado Aung Zaw, fundador e editor da revista online Irrawaddy, visitou o país pela primeira vez em 24 anos em fevereiro, ele percebeu que até agentes de imigração no aeroporto conheciam seu site.

Há ainda o caso de Nay Myo Zin, um soldado que virou ativista. Ele recebeu anistia no início do ano e foi declarado inocente em fevereiro da acusação de ter aceitado receber uma camiseta e um chaveiro com a imagem da opositora Aung San Suu Kyi enquanto estava preso.

Tão logo ficou livre, ele usou a fama recém-adquirida para criticar seu provedor por limitar a velocidade de conexão em sua pequena lan house em Rangum. “Eu disse a eles: se cortarem minha internet, vou denunciá-los ao mundo”, contou. “Eles ficaram com medo e devolveram minha conexão.” Ele agora pretende abrir um serviço WiMAX em seu bairro para fornecer conexões sem fio a casas próximas.

 

Mas há limites. Quando uma empresa se propôs, no começo deste ano, a vender chips para celulares a preços menores, o pedido foi rejeitado pelo MPT que alegou falta de infraestrutura. Segundo o site Irrawaddy, 11 pessoas foram brevemente detidas em Rangum no fim de fevereiro depois de fazer campanha por celulares mais baratos.

Não é que o governo não tenha uma estratégia para a tecnologia. É que ela parece distante das reais necessidades da maioria dos birmaneses.

Um exemplo claro está na chamada Cidade Cibernética Yatanarpon, uma área de cerca de 100 hectares erguida na selva em 2006 e projetada para ser o centro de tecnologia de Mianmar. Ela tem conexões de banda larga em toda a extensão, acomodação para 50 mil pessoas e uma universidade, mas até agora só atraiu um punhado de empresas – e nenhum dos investidores estrangeiros que prometia.

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O consultor de empresas Zaw Min Htwe, que escreveu um trabalho sobre o parque empresarial no ano passado, diz que o governo não conseguiu oferecer incentivos além de espaço e telecomunicações. O lugar ficar longe de tudo. “A maioria das empresas não quer ir para lá por causa da falta de infraestrutura.”

As companhias que têm uma presença em Mianmar são na maioria chinesas, como ZTE e Huawei. Poucos nomes ocidentais têm presença no país.

Mas o Ocidente está afrouxando suas sanções em resposta às mudanças no governo e isso pode ser crucial para companhias que agirem rápido para estabelecer parcerias locais.

Muitos esperam que a chegada de empresas ocidentais forneça empregos para as legiões de trabalhadores de tecnologia desempregados e mal formados. Por enquanto, a maioria toca pequenos negócios, criando sites ou consertando computadores.

Mas também há certo receio sobre a competição com os estrangeiros. “Durante boa parte do século, Mianmar ficou praticamente isolado. Quando abriu as portas, só vieram para cá companhias chinesas e asiáticas. Portanto, as empresas de Mianmar sempre estiveram neste ambiente protegido”, diz Thaung Su Nyein da Inforithm-Maze.

/ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

—-Leia mais:• Link no papel – 12/3/2012

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