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Não culpe a internet

“Pressupõe-se hoje que assistir a clipes transforma nossa vida mental em clipes ou que postar no Twitter transforma nossos pensamentos em tweets”

Por Redação Link
Atualização:

Por  Steven Pinker* – Especial para o ‘The New York Times’

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Novas mídias sempre causam pânico moral: imprensa, jornais, e a TV foram outrora denunciados como ameaças ao cérebro e à fibra moral dos consumidores.

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O mesmo ocorre com o digital. Fala-se que o PowerPoint está reduzindo o discurso a meros tópicos; que os sites de busca nos estimulam a deslizar pela superfície do conhecimento em vez de mergulhar em suas profundezas; e que o Twitter reduziria nossos períodos de atenção.

Mas esse pânico sempre se revela exagerado quando confrontado com a realidade. Quando os quadrinhos foram acusados de incitar a delinquência juvenil na década de 50, o crime baixava a níveis recorde; como as denúncias contra os games na década de 90 coincidiram com o declínio da criminalidade nos EUA. As décadas da TV, do rádio e dos clipes também foram décadas em que os níveis de QI não pararam de subir.

A título de comparação, consideremos a situação das ciências, que exigem elevados níveis de trabalho mental – o qual por sua vez é medido por claros pontos de referência representados pelas descobertas. Atualmente cientistas nunca se separam do seu e-mail, raramente tocam em papel e não conseguem dar aula sem o PowerPoint. Se a mídia eletrônica fosse perniciosa para a inteligência, a qualidade da ciência estaria decaindo. Entretanto, as descobertas estão se multiplicando, e o progresso é espantoso. Outras atividades da vida da mente, como filosofia, história e crítica cultural, estão igualmente florescendo, como poderá atestar alguém que perca uma manhã de trabalho consultando o site Arts & Letters Daily.

Críticos dos novas mídias usam a própria ciência para divulgar seus pontos de vista, citando pesquisas que mostram que “a experiência pode modificar o cérebro”. Mas os neurocientistas que estudam o processo cognitivo menosprezam esse discurso. De fato, toda vez que nos inteiramos de um fato ou aprendemos uma habilidade, as conexões do nosso cérebro mudam; não é como se a informação estivesse armazenada no pâncreas.

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Entretanto, a existência da plasticidade neural não significa que o cérebro seja uma bola de argila moldada pela experiência. Ela não moderniza a capacidade do cérebro de processar as informações. Os programas de leitura dinâmica reivindicam esta capacidade, mas o veredicto cabe a Woody Allen depois de ler Guerra e Paz de um fôlego só: “Fala da Rússia”.

A realização de múltiplas tarefas também foi apresentada como um mito, e não por estudos de laboratório, mas pela visão familiar de um carro grande andando em ziguezague pela rua enquanto o motorista trata de negócios pelo celular.

Além disso, como os psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons mostram em seu novo livro The Invisible Gorilla: And Other Ways Our Institutions Deceive Us (O gorila invisível, e outras maneiras de as nossas instituições nos enganarem), os efeitos da experiência são extremamente específicos em relação às próprias experiências.

Se você treina pessoas para fazer determinada coisa (reconhecer formas, resolver problemas de matemática, achar palavras escondidas), elas se aperfeiçoarão nessas tarefas, mas em quase nada mais. A música não faz que a gente seja melhor em matemática; conjugar o latim não nos torna mais lógicos; os jogos que treinam o cérebro não nos fazem mais inteligentes. As pessoas que têm formação sólida não abarrotam seus cérebros com malabarismos intelectuais; elas mergulham nos seus respectivos campos. Escritores leem muitos romances, cientistas leem muito sobre ciência.

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Os efeitos do consumo de informações eletrônicas provavelmente são muito mais limitados do que se tem dito. Os críticos de mídia escrevem como se o cérebro absorvesse as qualidades de tudo o que consome, o equivalente a “você é o que você come” em termos de informação. Assim como os povos primitivos acreditavam que comer animais selvagens os tornariam ferozes, eles pressupõem que assistir a clipes transforma nossa vida mental em clipes ou que postar no Twitter transforma nossos pensamentos em tweets.

É claro, a entrada constante de pacotes de informações pode distrair ou viciar, principalmente no caso de pessoas que têm problemas de falta de atenção. Mas a distração não é um fenômeno novo. A solução não é culpar a tecnologia, mas criar estratégias para adquirir autocontrole, como fazemos com todas as tentações na vida. Desligue o e-mail ou o Twitter quando você trabalha, guarde o Blackberry na hora do jantar e peça à sua esposa que o chame para ir dormir a uma determinada hora.

E para estimular a profundidade intelectual, não xingue o PowerPoint ou o Google. O hábito da profunda reflexão, da pesquisa cuidadosa e do raciocínio rigoroso nunca surgiu naturalmente nas pessoas. Ele deve ser adquirido em instituições especiais, a que chamamos de universidades, e mantidos por meio de uma atualização constante, a que chamamos de análise, crítica e debate. A capacidade de reflexão não é adquirida apenas ao segurarmos uma pesada enciclopédia no colo; e nem é tirada porque temos um acesso eficiente à informação na internet.

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Os novos meios de comunicação vieram para ficar por uma razão. O conhecimento está crescendo exponencialmente; o poder do cérebro humano e as horas que ficamos acordados, não.

Felizmente, a internet e as tecnologias da informação estão nos ajudando a administrar, buscar e recuperar nossa produção intelectual coletiva em diferentes escalas, do Twitter aos e-books e às enciclopédias online. Longe de nos tornarem burros, essas tecnologias são as únicas coisas que contribuirão para nos manter inteligentes.

(TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA)

ARTE: JOSÉ CARLOS LOLLO FOTO: GIACOMO FAVRETTO

* Steven Pinker é professor de psicologia em Harvard, cientista cognitivo e linguista. Seu livro ‘Como a Mente Funciona’ (1999) foi importante para popularizar conceitos recentes da neurociência. Sua obra mais recente é ‘Do Que é Feito o Pensamento’ (2008, ambos da Cia. das Letras).

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