Mais perto dos números

A matemática é mais umdesafio de desvendar o mundo do que fazer contas e, para o escritor, jornalista e – também – matemático, o gosto pela área se reflete no desenvolvimento tecnológico de um país

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

A matemática é mais um desafio de desvendar o mundo do que fazer contas e, para o escritor, jornalista e – também – matemático, o gosto pela área se reflete no desenvolvimento tecnológico de um país

 Foto: Estadão

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SÃO PAULO – A tarefa: entrevistar um matemático. Matemático? Exatas nunca foram o meu forte – muito menos matemática, com sua lógica ilógica para mim e suas fórmulas (que nunca aprendi, só passei no vestibular por puro decoreba) Por isso, entrevistar um matemático me soou como um desafio.

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Aí descobri que o inglês Alex Bellos também é jornalista. Assisti à sua palestra na edição mais recente da Campus Party – em que explicava o relacionamento de diferentes povos com os números, com direito a crianças orientais fazendo contas dificílimas como mágica –, e comecei a achar aquilo tudo mais interessante. Mas o despertar veio em uma pergunta da plateia, quando uma mulher, diretora de um curso de informática em uma faculdade do interior paulista, perguntou: “Os estudantes que chegam do ensino médio para aprender programação vêm sem nenhuma base de matemática. Como reverter isso?”

Na hora de escolher a área de trabalho, o gosto pelos números conta muito – e é o que acaba afastando os estudantes de cursos mais técnicos, como computação e engenharias. E isso se reflete diretamente no desenvolvimento de um país.

Bellos respondeu que a Inglaterra vive um problema crônico: os professores do ensino infantil não gostam de matemática. E, por não gostarem, não transmitem o amor aos números às crianças. “Na Inglaterra não há paixão por matemática”, lamenta o jornalista. Os estudantes crescem aprendendo fórmulas prontas que as afastam do propósito inicial da matemática – resolver problemas. No Brasil, talvez, a questão seja a mesma.

A entrevista estava marcada para começar logo depois do fim da palestra, mas uma fila enorme atrasou o encontro em 40 minutos. O público se enfileirou para pegar um autógrafo do matemático. Bellos virou pop com seu livro Alex no País dos Números (Companhia das Letras, 412 págs., R$ 44).

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As pessoas querem saber o que acontece no mundo nos números. E isso pode ser explicado, também, pelo aumento do interesse pela computação e pela vida digital. Segundo Bellos, na Inglaterra livros científicos vendem muito mais hoje do que na década passada. “Há quinze anos Steve Jobs não era ninguém. Hoje todo mundo quer entender este mito que há em torno dele”, diz Bellos, cujo livro foi traduzido para mais de 20 idiomas. “Fez muito mais sucesso do que eu esperava”, diz. Agora, ele prepara o segundo livro – também sobre matemática.

Alex no País dos Números é resultado de uma faculdade de matemática e de andanças pelo mundo aprendendo como a humanidade se relaciona com os números desde os tempos mais remotos. Como vive uma tribo que não desenvolveu um sistema numérico? O autor parte daí para explicar que a matemática não é um conjunto de fórmulas e nem um sistema pronto – mas, sim, uma ferramenta para questionar, aprender, e que está mais próxima da filosofia do que os amantes de Humanas podem imaginar.

“Não há nada mais criativo do que a matemática”, diz Bellos, que é formado em jornalismo e matemática. “No colégio, eu era bom em inglês e matemática. Todos falavam que a aula de inglês é mais criativa, porque é algo que nós lemos e escrevemos histórias. Mas a matemática é ainda mais criativa. Você tem de inventar uma linguagem própria para solucionar um problema.”

Na escola, diz Bellos, estuda-se matemática apenas para “fazer provas”. “Mas a matemática tem ideias muito interessantes. Antigamente, era associada à filosofia. A religião e a matemática vinham da mesma coisa”, explica. A ideia do infinito, por exemplo, explicita a ligação entre as duas ciências. “O infinito faz parte tanto da religião quanto da matemática. Você pode ficar em um boteco discutindo o que é infinito por muito tempo”, diz.

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Ele cita também a relação da matemática com o corpo. Existem dez dígitos porque os humanos têm dez dedos. “E há campanhas para incluir mais dois números no sistema”, conta. “Ah, é?”, respondo, espantada. “É, e as pessoas ficam ‘ah, é?’ porque elas não pensam nisso”, responde. Alex Bellos diz que a matemática deve ser estudada pelas mesmas razões que estudamos Shakespeare. “É nossa herança intelectual e cultural. A matemática nos deixa mais criativos e nos dá um entendimento mais profundo da maneira como as coisas realmente são”, escreveu em um artigo publicado no jornal The Guardian, do qual Bellos foi correspondente no Brasil.

Andanças. Alex Bellos percorre o mundo para explicar que a matemática não é um sistema com fim em si próprio e nem um conjunto de regras. Pelo contrário. “O gostoso da matemática é quebrar as regras. Quebrar regras para fazer coisas. O melhor da matemática é feito do espírito da brincadeira”, diz.

É aí que entra o Brasil. Matemática – Exatas, em geral – não é o forte do País, que tem uma dívida histórica na educação nessas áreas. E isso se reflete na procura pela área de engenharia, por exemplo.

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Nos últimos dez anos, o número de alunos formados na graduação foi multiplicado por dez. Na área de engenharia, porém, o aumento foi de apenas 6%. A cada 50 alunos formados na faculdade, apenas um saiu de uma faculdade de engenharia. Na Coreia do Sul, país líder em tecnologia da informação e dono do título de internet mais veloz do mundo, a proporção é de um engenheiro para outros quatro formados em outras áreas.

Mas Bellos é otimista com o País. Especializado em Brasil e autor de um elogiado – e esgotado – livro sobre a relação do brasileiro com a bola (Futebol – O Brasil em Campo, Zahar, 352 págs., R$ 59) –, Alex diz que esse espírito de brincadeira é o que aproxima a matemática do brasileiro. “No Brasil não há preconceito como na Inglaterra. As pessoas de ciências, de cultura, todo mundo, comem pizza juntos”, brinca. E a informalidade do brasileiro se reflete diretamente na maneira como nos relacionamos com os números. O mercado informal, diz ele, é quem forma milhões de brasileiros em matemática, pois as pessoas são obrigadas a fazer contas. “Tem de ser muito bom em números. Na Inglaterra você não precisa saber disso nunca.”

Na Inglaterra, segundo ele, há até um preconceito contra quem se especializa nos números. “Nós inventamos tantos gêneros musicais, moda, valorizamos isso muito. E não valorizamos a ciência. Esse preconceito é mais forte na Inglaterra do que em outros países da Europa. Por isso Alemanha e França não produzem tantos gêneros musicais, que foi o que nós fizemos. A gente quer ser ‘cool’”, diz. Para ele, a cultura nerd criada nos EUA, na França e na Alemanha contribuiu para aumentar o interesse por matemática nesses países.

—-Leia mais:Link no papel – 30/04/2012

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