Liberdade em jogo

Pressões de interesses comerciais fazem a votação do Marco Civil da Internet ser adiada pela quinta vez.

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Pressões de interesses comerciais fazem a votação do Marco Civil da Internet ser adiada pela quinta vez. Seus princípios estão ameaçados?

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SÃO PAULO – Se depender do que propõem alguns deputados brasileiros, a internet poderia funcionar como uma TV a cabo: quem pagasse mais teria direito a acessar mais serviços. Empresas como Google, Facebook e Twitter teriam a obrigação de remover conteúdo dos usuários em até 24 horas, caso gravadoras, estúdios de cinema ou emissoras de televisão detectassem pirataria – avaliações ficariam para depois. E os provedores de internet poderiam registrar o histórico de navegação de todos os seus clientes.

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O cenário não é impossível – propostas assim foram apresentadas pelos parlamentares na última rodada de negociações do Marco Civil da Internet. Sem consenso, a votação foi adiada cinco vezes – a última na terça-feira. E o texto final tem mudanças que, para alguns, descaracterizam o projeto pensado para ser a “Constituição” que garantiria direitos dos usuários e criado num processo colaborativo.

O relator do projeto de lei, deputado Alessandro Molon (PT-RJ) passou a terça-feira reunido com parlamentares da oposição e da base do governo – porque nem nela houve consenso para a votação do projeto, elaborado pelo Ministério da Justiça em 2009 e discutido em consulta pública em 2010.

Para pessoas ligadas ao projeto entrevistadas pelo Link, ativistas e empresas de internet que defendem o projeto não têm tanta influência quanto outros setores, como o de telecomunicações e o da indústria cultural.

É por isso que os dois pontos mais polêmicos no Marco Civil são os que sofreram modificações de última hora.

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Um deles é a neutralidade, princípio que garante que operadoras de conexão e os serviços de internet não podem discriminar os usuários de acordo, por exemplo, com o plano pago ou a localização geográfica. Todos têm de ter acesso aos mesmos serviços e conteúdo na web. Mas há exceções: ela pode ser quebrada por questões emergenciais ou técnicas. E é aqui que mora a briga: quem regulamenta isso? O Ministério das Comunicações queria que fosse a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O relator do projeto optou por um decreto presidencial.

“(A neutralidade) é a maior garantia que se pode dar aos usuários da internet”, diz uma carta enviada a Molon, assinada por entidades como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A regulamentação, para as entidades, deve estar “na esfera de maior submissão à visibilidade e ao controle público, dentro dos requisitos técnicos necessários e afastados quaisquer interesses econômicos privados capazes de contaminar o processo.”

Os deputados Ricardo Izar (PSD-SP) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) discordam. Eles apresentaram a mesma proposta: que na navegação está “facultada à contratação de condições especiais de tráfego de pacotes de dados, entre o responsável pela transmissão e terceiros interessados em provimento diferenciado de conteúdo”. Em outras palavras: a quebra da neutralidade para fins comerciais.

Os mesmos deputados propuseram equiparar provedores de conexão aos de serviços. Dessa forma, a lei trataria empresas como Net, Vivo e TVA da mesma maneira que Google e Facebook. E provedores de conexão poderiam guardar dados pessoas e histórico de navegação de todos os usuários, algo que a proposta original pretendia evitar.

“Eu acho que grande parte da proposta, que é criar segurança jurídica, se perde com isso”, diz Carolina Rossini, diretora de propriedade intelectual na Electronic Frontier Foundation. “Agora tudo fica no limbo, tanto os usuários quanto os provedores.”

Nesta semana haverá mais uma tentativa de votar o projeto. “Tem discussões técnicas, mas as questões são econômicas e políticas”, diz um dos responsáveis pelas negociações que não quis ser identificado. No momento, nenhuma hipótese é descartada.

—-Leia mais:Remoção sem voltaLink no papel – 19/11/2012

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